PEDRO CALAPEZ O artista "inquieto"

Estava com as mãos sujas, a pintar "à última hora" uns "trabalhos sobre cartão" para uma exposição na Galeria Presença, a ser inaugurada a 11 de Março. Pedro Calapez recebeu ontem "com muito gosto" o Prémio AICA, para o qual olha como o "reconhecimento de um trabalho", disse. "Foi, de certo modo, uma surpresa." Pedro Calapez, quase 53 anos, nascido em Lisboa, teve a sua primeira exposição individual na década de 1980. Já recebeu importantes prémios, como o União Latina ou o EDP, tem exposto em vários países, participou nas bienais de Veneza e São Paulo e está representado em colecções importantes, como Serralves, Gulbenkian ou a espanhola Fundacion Pilar i Joan Miró. Helena de Freitas, que, com João Miguel Fernandes Jorge, comissariou a sua primeira exposição antológica no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, acha que o pintor "tem um sentido de contemporaneidade muito certo". Embora seja um pintor "que sabe muito bem o seu ofício", está "muito para lá do virtuoso", acrescentou ontem. "Todas as composições de Pedro Calapez sugerem a ideia de movimento e os últimos trabalhos apontam muito para a ideia de abismo, de vertigem. São temas muito contemporâneos", notou Helena de Freitas. Calapez é ainda autor de um "trabalho muito inquieto". A inquietação "passa pela ideia de simetria", que desconstrói. "O trabalho dele seduz-me porque tem, aparentemente, uma linha plástica ordenada e é muito interessante procurar os pontos de fractura, as descontinuidades, os desvios dessa falsa tranquilidade."
O artista falou da sua ligação à pintura e da "vontade" de "encontrar possibilidades" para este "meio de expressão tradicional", que "todos os anos" alguém declara que morreu. "O gosto pela pintura pode-se perder na rapidez pelo olhar. A pintura obriga a um olhar demorado. O deambular do olhar pela superfície pintada sempre me tem interessado." Essas possibilidades têm sido exploradas nos seus últimos trabalhos, sobretudo nas "caixas" de alumínio e madeira pintadas onde, como refere, "há uma distância em relação à parede" e uma "fragmentação". "Penso que é por este tipo de trabalho que o prémio surge", conclui Calapez. j.g.h.
O atelier Aires Mateus, dos irmãos Francisco e Manuel Aires Mateus, de 41 e 42 anos, respectivamente, é premiado por uma obra que aposta no experimentalismo, "com a coragem e o risco que isso implica", e por "um percurso já com grande projecção, mesmo no estrangeiro", diz Ana Tostões.
O Centro das Artes de Sines, obra recente que justifica o AICA - a par com a grande exposição de Outubro do Centro Cultural de Belém (CCB), em que se apresentavam maquetas de sete moradias, quatro museus e um hotel -, é exemplo de uma arquitectura "que procura provocar alguma emoção", diz a mesma representante do júri.
Em 9 mil metros quadrados, o complexo inclui duas zonas para exposições, um auditório para 200 pessoas, uma biblioteca e os arquivos municipais de Sines. Orçado em 8 milhões de euros, causou polémica pelos custos para um pequeno município e pelas características do edifício. Inspirado no castelo da cidade, a que vai buscar as volumetrias e a respiração de interioridade, o Centro das Artes é uma construção fechada sobre si mesma, com jogos de escala tão extremos como salas amplas de tectos rebaixados ao limite e pés-direitos altíssimos em naves estreitas - propostas inesperadas para zonas expositivas, cuja concepção normalmente procura interferir o mínimo na leitura das obras a mostrar.
"O radicalismo do trabalho dos Aires Mateus passa bastante pela abstracção quase irreal como as obras são desenhadas e construídas", diz Diogo Seixas Lopes, crítico de Arquitectura e comissário da mostra do CCB que destaca os "ambientes imateriais" das obras da dupla. "O deles é um trabalho que se expõe, que não avança a medo nem numa direcção moderada. Não permite a indiferença", acrescenta.
Com um hotel em construção em Dublin, Irlanda, Francisco e Manuel Aires Mateus estavam ontem na Macedónia, onde vão construir outro hotel. Ao telefone, Manuel Aires Mateus sublinhou "o esforço muito grande de um pequeno município que merece este reconhecimento".
O arquitecto relaciona o experimentalismo apontado pelo júri com "uma necessidade de que cada obra tenha um carcácter único, sem procurar uma linha condutora que faça do trabalho algo de mais académico": "Interessa-nos sempre ir em busca das inquietações específicas de cada trabalho. É uma procura que insiste sempre num recomeço." Vanessa Rato

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