SADOMASOQUISTAS COMEÇAM A SAIR DO ARMÁRIO

O primeiro bar nacional de porta aberta para a comunidade BDSM (Bondage, Dominação, Sadismo, Masoquismo) abriu no Porto. Ontem à noite, Lisboa juntou-se ao roteiro, com um outro espaço, mas este à porta fechada. Os sadomasoquistas começam a aparecer em público, mas ainda há muitas desconfianças atravessadas no caminho.

Justine - I am a poor orphan girl. Uma velha versão inglesa da polémica obra do Marquês de Sade repousa, vertical, numa vitrina de fundo negro. Na mesma vitrina, outras leituras BDSM (Bondage, Dominação, Sadismo, Masoquismo), um par de algemas, um gag...Justine, simplesmente Justine, abriu em Janeiro, em Cedofeita, no Porto. Há pequenas velas, minuciosamente colocadas. Iluminam as escadas que descem e logo sobem. No cimo, na sala rectangular, decorada com vermelhos e negros, uma cruz de Santo André e outros instrumentos tortuosos. É o primeiro bar, de porta aberta, da comunidade BDSM do Porto.
Há "uns três anos", M.L. andava na Internet, à procura de "algo diferente". Um filho indicou-lhe um canal bondage. A mulher entrou. Julgava que "jamais conseguiria dar umas chicotadas a um estranho". Mas, num instante, passou da teoria à prática. E tomou-lhe o gosto. De dia, dirige uma empresa. Nas noites de quinta a sábado, está aqui, no Justine.
Mesmo sabendo que haverá "mais curiosos do que genuínos" a bebericar por ali, Baronesa quis criar um espaço de convívio para pessoas com "um gosto diferente". Como o dela, como o de Dom Porto, como de Bondarina, como o de Eu Mesmo X e Eu Mesma Y (ver textos na página ao lado) ou o de outros. Transferiram-se da Internet para um estabelecimento nocturno. Tratam-se pelos nicknames.
Sentada num sofá vermelho, perto de um cinto de castidade, a anfitriã desfia o projecto. Sabe que "a sociedade vê o BDSM como uma aberração". Já convidou amigos "baunilha" para festas e ouviu-os dizer que "isso é para atrasados mentais". Acha que "a sociedade está longe de compreender quem se excita com pancada".
Mal a irmã de Dom Porto o descobriu sádico recomendou-lhe "um psiquiatra e umas horas de terapia". Dom Porto respondeu-lhe que conhecia "vários dentro da comunidade" BDSM. Não apregoa as suas preferências aos sete ventos, mas basta consultar a sua biblioteca caseira e o seu perfil na Net para obter a pista. Anda com os instrumentos na mala do carro.
A passo lento, discreto, a comunidade BDSM portuguesa parece estar a sair do armário. Organizada na Internet, já não se confina às suas - pequenas ou grandes - festas secretas, silenciadas. Bondaria é "completamente a favor" desta abertura. Agrada-lhe a ideia de "não precisar de sussurrar" para falar de BDSM num lugar público. Mas entende que "90 por cento da comunidade é contra". Nada de estranho num universo onde há muito "quem se esconda de si próprio".

Secretismo é formade "auto-discriminação"
Na noite passada, abriu um bar em Lisboa, nome fictício Bizarre. Tal como o Justine, propõe-se a ser um espaço "onde os fetiches não são vistos como desvios, mas como manifestação da liberdade sexual do ser humano". "Procuramos deixar todos à vontade para que os temores e tabus sejam aos poucos banidos da nossa consciência e da nossa sociedade", publicitou nos canais temáticos. À porta fechada (ver texto nestas páginas).
Bondarina vê no total secretismo uma espécie de "auto-discriminação". Acha que não tem de se mostrar, como um "baunilha" não o faz, mas também não tem de se esconder. Não espera que a compreendam, quer que a aceitem. Na certeza de que o sadomasoquismo se distingue da violência. Pelo consentimento. Pelo prazer.
A fama é excessiva. Amiúde, Bondarina vê entrar nos canais BDSM jovens que "andam só à procura de sexo fácil". Assume uma atitude pedagógica e dá "cabo deles". "Tento desmistificar a cena toda", salienta. Alguns acabam "por confessar que são tímidos, que são virgens". Há quem não regresse e quem o faça com respeito.
É sábado, 28 de Janeiro, noite de crossdressing. No Justine, apenas uma rapariga surge travestida. Usa um fato branco, um chapéu. Baronesa contava fazer um desfile com os clientes que aderissem à "brincadeira", mas não pode. Entrar num bar, fora do Carnaval, vestido do sexo oposto ainda parece difícil. Mesmo para a comunidade BDSM que tenta sair do armário...

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