"Não compete à câmara pagar salários a jogadores"

A crise na Associação Desportiva Ovarense está na ordem do dia em Ovar. Os jogadores ameaçam rescindir os contratos e recorrer à greve, enquanto, para os sócios, alguém terá de "dar a mão à palmatória" para explicar a situação. Por Sara Dias Oliveira (texto) e Carla Carvalho Tomás (foto)

O assunto está na ordem do dia. A crise do clube de futebol da Associação Desportiva Ovarense, com 83 anos de história, é discutida na praça pública. Os jogadores ameaçam avançar para a greve e a rescisão colectiva (ver Desporto), caso a direcção não salde os salários em atraso, que, em alguns casos, atinge os oito meses e meio. No final da semana passada, foram pagos 30 por cento de um salário, mas os atletas não ficaram satisfeitos. A Ovarense está abaixo da linha de água, ocupando o 17º lugar, com oito pontos, na Liga de Honra. A alegada fuga do ex-director da Ovarense, Manuel Miranda, em Julho de 2004, é tema de conversa. O ex-dirigente está a ser investigado por um alegado desfalque financeiro na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Ovar, onde trabalhava e onde o clube detinha uma conta. Miranda regressou a Ovar passados dois meses, mas não quer comentar o processo, que está entregue à justiça.
Eduardo Gonçalves foi jogador da Ovarense entre 1966 e 1974. Passou por todas as camadas do clube. Isto na altura, recorda, em que "os carolas vareiros, que tinham uma economia satisfatória, iam dando dinheiro para apoiar o clube". Os bolsos esvaziaram-se entretanto. O clube sobreviverá? "Qualquer clube é viável, quando bem gerido", responde. O antigo jogador defende que a Ovarense deveria ser "financiada pelo poder local".
Há questões que Eduardo Gonçalves não compreende. "Não entendo como uma direcção toma conta de um clube com um défice negativo que, à partida, não tem solução possível". Na sua perspectiva, o problema vem detrás. "Deve-se à gestão anterior, que deveria ter resolvido a questão dos salários em atraso". Como o processo do ex-presidente está na justiça, pergunta: "Vamos atribuir culpas a quem? Lamento que o clube esteja nesta situação, mas alguém tem de dar a mão à palmatória", desabafa.

Uma certa tristezaManuel Lamarão já foi sócio da Ovarense e a angústia vivida pelo clube causa-lhe uma certa tristeza. "Chega-se a uma determinada altura e fica-se à espera de donativos que não chegam", comenta. Depois, sublinha, "chega-se à conclusão de que não há dinheiro para pagar a ninguém". Em seu entender, o alegado desfalque do ex-dirigente da Ovarense é "um negócio que nunca foi bem esclarecido". O clube tem pernas para andar? "Talvez não". E explica: "Os responsáveis, quando entram na direcção, ficam à espera das mil e uma promessas".
Antigamente era diferente. "Havia, no início da época, uma garantia bancária para pagar aos jogadores", recorda. Isso no tempo em que, garante, "os jogadores preocupavam-se mais em ter um emprego do que em ter um ordenado".
António Gama já foi o sócio número 49 da Ovarense, mas hoje olha um pouco à distância para a situação do clube porque, garante, não tem "fundamentos" para prever o futuro. "O assunto é muito complexo. Se fosse sócio, estava mais atento, porque era o meu dinheiro que lá andava". De qualquer forma, refere, "gostava que o clube estivesse bem". "Os rapazes até jogam futebol", remata.
Quem não tem dúvidas é o presidente da autarquia. "Não compete à câmara pagar salários a jogadores", diz Manuel Oliveira, lembrando que a edilidade apoia a Ovarense através de subsídio, através de contrato-programa, que se destina exclusivamente à formação das camadas jovens. Por ano, são atribuídos cerca de 100 mil euros. "Não compete às câmaras garantirem apoio ao desporto profissional", realça. "Nem os munícipes perdoariam que a câmara desse uma ajuda desse tipo, quando existem outras prioridades e necessidades, como, por exemplo, a habitação social".
O autarca lamenta a situação e espera que "haja uma intervenção da sociedade civil, atendendo à tradição do próprio clube, para que a crise se resolva".
Manuel Oliveira recorda ainda que a disponibilidade para ceder um terreno à Ovarense continua em cima da mesa. O plano de pormenor está em fase de conclusão. No entanto, o político é peremptório. Caso o projecto avance, essa área será destinada apenas à construção de equipamentos desportivos, não podendo ser utilizada "para qualquer tipo de especulação". Ou seja, explica, "tem de haver respeito pelo planeamento urbanístico, pelo que está definido no Plano Director Municipal".

Sugerir correcção