Torne-se perito

Os portugueses de França "fizeram-se esquecer"

Começaram em bairros de lata e agora moram em casas com jardim. Segunda maior comunidade estrangeira em França, tornaram-se "invisíveis"

Foi durante muitos anos a maior comunidade estrangeira em França e ocupa agora o segundo lugar. Porque não fala a França nos 800 mil portugueses que tem entre portas? É uma sociedade "invisível, fez-se esquecer", afirma o sociólogo luso-francês Albano Cordeiro.
Fugindo à guerra, à ditadura, à pobreza, um décimo da população portuguesa abandonou o território nacional entre 1964 e 1974. Metade foi para França - era perto, oferecia bons salários, não exigia qualificação, mal controlava a imigração irregular e facilitava a legalização.
Dormiam uns por cima dos outros. Ganharam fama de trabalhadores árduos, não reivindicativos, ignorantes. Acusavam os males da nação. Em 1960, 40,3 por cento da população nacional não tinha educação formal. E cerca de 90 por cento dos escolarizados não ia além do ensino primário.
O fluxo tinha "uma particularidade" no contexto da imigração francesa: a maior parte chegou jovem, solteira ou recém-casada e sem filhos. As mulheres esperavam, em média, três anos e logo se lhes juntavam. "Até 1978, eram campeões da natalidade entre os imigrantes", lembra Cordeiro.
A maior parte fixou-se nos miseráveis bidonvilles que rodeavam a luminosa Paris. Nos anos 70, a comunidade passou para os bairros sociais, mas já quase não tem membros a residir lá. Comprou e recuperou vivendas, mora em unidades unifamiliares com jardins. Tem "o mais elevado rendimento entre estrangeiros em França e a mais baixa taxa de desemprego - mais baixa do que a dos franceses, o que é um escândalo", aponta o sociólogo. Mas "não se vê" - na imprensa ou na rua.
Na opinião de Cordeiro, a imigração africana serviu-lhe "sempre" de escudo. "Havia a guerra da Argélia, a descolonização; a sociedade francesa entrou num contencioso com os magrebinos; a xenofobia e o racismo orientaram-se para aí. Usavam os portugueses para se desculpabilizar: "eu não gosto de magrebinos, mas não tenho nada contra os portugueses"".
Uma forte dose de "plasticidade psicológica" fez o resto. A comunidade não se limitou a ser discreta, também adoptou alguns comportamentos franceses. Carlos Pereira, presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas, diz que a primeira geração "quis cortar com Portugal, que os filhos fossem iguais aos franceses".
O antigo Secretariado Nacional da Emigração fez um levantamento em 1972 - havia apenas 62 cursos de Português. O incentivo ao ensino bilingue ganhou forte impulso, mas muitos pais recusaram matricular os filhos, temendo que se tornassem alvo de discriminação. Em 1981, cerca de 200 mil crianças portuguesas não sabiam escrever ou ler Português.
Impulsionados pelos pais, educados em escolas francesas, os lusodescendentes falam Francês entre si. "Raramente podem ser vistos como uma comunidade em França", sustenta a socióloga Christine Deprez, num estudo recente. "Estão muito bem integrados".
Apesar do estigma das porteiras e construtores, em meados da década de 90, em termos de educação, os jovens portugueses de França já estavam mais próximos dos congéneres franceses do que dos residentes em Portugal, atesta o investigador Pedro Telhado Pereira. Em 1994/95, a maioria dos indivíduos entre os 15 e os 35 anos tinha o ensino secundário ou equivalente, muito mais do que os residentes em Portugal na mesma idade.
A segunda geração "começou por fazer cursos intermédios", retrata Telhado. Tirava um curso de mecânica ou electricidade, com a ambição de abrir o seu próprio negócio. Mas tem vindo a crescer o número dos que optam por formações mais longas.
Existe um laço afectivo com Portugal, alimentado com as romagens às aldeias em Agosto, como frisa António Cardoso, director do jornal Encontro. E, entre os lusodescendentes, "há um resto de vontade de frequentar coisas portuguesas, mas ao nível de discotecas ".
Contam-se cerca de 800 associações de portugueses em França. Apenas dez por cento da comunidade as frequenta. José Machado, presidente da federação, está preocupado: "Não há renovação de quadros, os mais novos não se querem sacrificar".
Dentro de cinco anos, 145 mil portugueses terão mais de 65 anos. O velho sonho de retorno vai sendo posto de lado. Muito por pressão das mulheres, mas sobretudo pelos projectos de vida dos descendentes. Para eles, um "regresso" a Portugal seria uma emigração.
Com Portugal reduzido a colónia de férias, nem por isso a participação na vida política francesa parece florescer. Nas últimas eleições municipais, os imigrantes já podiam votar. "Os partidos políticos andaram à procura de portugueses para as listas", narra Pereira. Agora, "há 400 e tal eleitos municipais, mas os portugueses não se recensearam, não foram votar - penso que nas próximas eleições já não vai haver tantos". E "sem participação não há integração" social.

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