Torne-se perito

Castanheiros portugueses doentes podem ser salvos com armas biológicas

Vírus pode ser a solução para cancro do castanheiro, provocado por um fungo que quase dizimou esta espécie nos Estados Unidos

Uma das doenças que mais afectam os castanheiros em Portugal pode ser travada com um trunfo dado pela própria natureza. Há um vírus que gosta de se meter com o fungo que provoca o cancro dos castanheiros. Esta doença causa a asfixia da árvore e uma equipa de investigadores da Estação Florestal Nacional, em Oeiras, quer usar o vírus para a combater e evitar que ponha em causa a produção de castanha, o fruto com mais expressão nas exportações portuguesas.Imagine que os tons avermelhados com que os castanheiros pintam a paisagem nesta altura do ano deixava de existir. Já para não falar das castanhas assadas, que inundam o ar com o seu cheiro assim que vem o primeiro frio de Outono e que hoje, Dia de São Martinho, assumem a expressão máxima. Para garantir que isso não acontece, uma equipa, no Departamento de Protecção da Estação Florestal Nacional, está a tentar arranjar uma solução para parar com o avanço do cancro do castanheiro, provocado por um fungo - o Cryphonectria parasitica - que estrangula os vasos da árvore e faz com que os troncos frondosos fiquem castanhos e secos e depois morram.
No início do Verão, os técnicos da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes e Alto Douro descobriram que castanheiros afectados pelo fungo, mesmo após terem perdido alguns ramos, conseguiam fortalecer-se e curar as lesões. A boa notícia acabou por chegar graças à colaboração com a equipa de Helena Bragança, investigadora do Departamento de Protecção da Estação Florestal Nacional, e ainda com o Laboratório de Microbiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e o Instituto de Investigação da Floresta, Neve e Paisagem, em Zurique, na Suíça.
Tinha-se levantado uma frente de combate natural contra os fungos que atacavam os castanheiros em Trás-os-Montes. Um vírus, que só é prejudicial ao fungo do cancro do castanheiro, ataca-o, dando oportunidade à árvore de restabelecer as defesas e salvar-se. Este fenómeno que enfraquece o fungo, chamado hipovirulência, já tinha sido observado noutros países da Europa. Helena Bragança conta que até já tinha recriado este martírio do fungo Cryphonectria parasitica num prato de laboratório. Mas saber que existia naturalmente em Portugal era uma boa notícia para os castanheiros portugueses e a economia. Em 2000, a castanha era o fruto com mais peso nas exportações portuguesas e a sua produção representava 15 por cento do total europeu deste fruto. Trás-os-Montes e Alto Douro eram as regiões que mais contribuíam para essa realidade.
Helena Bragança diz agora como esta arma natural será usada: "Se introduzirmos no campo uma estirpe do fungo com o vírus, ela passará este vírus aos fungos das outras árvores. Esta medida é segura, uma vez que o vírus só faz mal a este fungo."
Mas a estratégia não é assim tão simples: "O vírus só é passado entre fungos que sejam compatíveis vegetativamente. Têm de ser fungos de grupos de compatibilidade igual." Já foram identificados nove grupos de compatibilidade diferentes em Portugal. "E há dois grupos que não existem no resto da Europa; um deles é o de maior incidência cá, com 80 por cento de incidência", frisa a investigadora, que há mais de quatro anos anda a investigar este assunto.
"A luta biológica é o melhor que podemos fazer contra a doença, para além do melhoramento genético, que é também um bom caminho, apesar de muito longo. Mas não é uma panaceia. É caro e leva o seu tempo."
O cancro do castanheiro foi detectado pela primeira vez em 1904, nos Estados Unidos, e em 50 anos fez desaparecer quase todos os castanheiros do país. Morreram 3.500 milhões de árvores, da espécie Castanea dentata, o que alterou a paisagem florestal dos EUA, conta Helena Bragança. Por trás da praga estava a importação de castanheiros do Japão, onde a doença já existia mas não afectava os castanheiros japoneses (Castanea crenata), que são de uma espécie resistente ao fungo. Mas o que se passava nos EUA era bem diferente: a espécie comum ali era a mais vulnerável à doença.
Quando, em 1938, se descobriu esta doença na Europa, pensou-se que os castanheiros europeus estavam condenados como os americanos. Mas na Europa, o castanheiro mais comum é da espécie Castanea sativa, que é moderadamente resistente à doença. Logo, apesar de a doença ser um perigo, a sua agressividade não chega para dizimar a espécie, apesar de a fragilizar muito.
Em Portugal o cancro do castanheiro foi detectado em 1989, pelos mesmos técnicos da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes e Alto Douro que agora identificaram a hipovirulência entre os castanheiros portugueses. Esta é, aliás, a região mais afectada pela doença. "Chegámos a ver parcelas de terreno com 80 por cento das árvores afectadas", lembra Helena Bragança. "Nessa altura, não se sabia o que se passava no resto do país. Hoje sabe-se que a doença está propagada pelo país todo. Por isso, unimo-nos para a combater."

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