Fecho do rio Sorraia salva culturas da Lezíria Grande de Vila Franca

O objectivo é aproveitar
toda a água doce disponível para regar os campos
e evitar a sua "contaminação" pela água salgada

A Lezíria Grande de Vila Franca de Xira, uma das zonas agrícolas mais produtivas do país, está também a sentir os efeitos da seca extrema que assola o território continental português. Embora se trate de uma área onde normalmente a água abunda e, por vezes até em excesso, a região está a braços com um agravamento extraordinário dos problemas de salinidade originados pelas marés do Tejo. Foi necessário, ao longo dos últimos meses, recorrer a várias medidas excepcionais, a última das quais envolveu mesmo o fecho do curso do rio Sorraia nas proximidades do Porto Alto, de modo a aproveitar toda a água doce disponível para regar os campos e evitar a sua "contaminação" pela água salgada. Com uma barreira de terra batida com cerca de 40 metros de extensão, construída nos dias 12 e 13 de Agosto, foi possível reter a água do rio, que normalmente se perderia no Tejo e através deste no Atlântico, e evitar a subida das águas salgadas empurradas pelas marés do Tejo.
A medida é provisória e o curso do Sorraia poderá ser reaberto ainda esta semana, se continuar a evoluir favoravelmente a situação do Tejo, onde terminaram as marés vivas e os limites da água salgada estão agora mais a sul (chegaram a aproximar-se de Valada, no concelho do Cartaxo, devido ao caudal anormalmente reduzido do rio). Se assim acontecer, a maior parte da água para rega na lezíria de Vila Franca voltará a ser captada no Tejo e distribuída através do rio do Risco, permitindo retirar a barreira colocada no Sorraia.
A experiência deste ano reforçou, todavia, a necessidade de criação de uma estrutura de retenção de água na lezíria (ver caixa), que deverá ser construída no Sorraia, já a sul do Porto Alto.
Sete mil hectares irrigados
Numa zona com 14 mil hectares (140 quilómetros quadrados) onde se desenvolve uma agricultura intensiva, com perto de 7000 hectares irrigados, um ano seco como este de 2005 é preocupante. Apesar da vizinhança do Tejo e dos enormes lençóis freáticos, a salinidade da água inviabiliza muitas vezes a sua utilização e foi necessário estudar e planear medidas que garantissem o fornecimento de água em quantidade suficiente. Em causa estava uma parcela importante da produção agrícola portuguesa, que poderá ser avaliada em mais de 40 milhões de euros. São 300 proprietários e rendeiros que trabalham na lezíria, em explorações que envolvem no período de Primavera-Verão mais de 6000 postos de trabalho directo e mais alguns milhares de empregos indirectos nas estruturas de comercialização e de fornecimento de equipamentos e de serviços ao sector.
"Diz-se que somos ricos em água, mas o facto é que somos ricos, mas somos pobres, porque não temos onde a armazenar", vinca Pedro Serrasqueiro, director executivo da Associação de Beneficiários da Lezíria Grande de Vila Franca de Xira, explicando que as perspectivas de um ano muito seco levaram a associação a estudar várias iniciativas que têm permitido minimizar os problemas. "Começámos por construir uma grande captação de água no rio do Risco (Norte da Lezíria Grande, próximo do concelho de Benavente), que era o último local que poderia salgar-se. Foi isso que durante um grande período nos deu a possibilidade de meter água na lezíria". Os níveis elevados de salinidade da água do Tejo registados nas captações mais a sul obrigaram a usar este recurso.
Já em meados de Julho foi necessário suspender totalmente as entradas de água do Tejo e o sistema de rega da Lezíria Grande passou a usar exclusivamente água do rio do Risco, mas percebeu-se que seria necessário equacionar outras soluções para não correr o risco de se perderem as culturas de grande parte da lezíria vila-franquense. Ainda se fizeram estudos sobre o eventual desvio de águas das barragens do Norte alentejano para o Sorraia ou para uma tentativa de empurrar a cunha salina (limite das águas salgadas) do Tejo. Mas percebeu-se, por exemplo, que só para conseguir fazer entrar alguns metros cúbicos de água doce através do Tejo na lezíria de Vila Franca seria necessário usar uma enorme quantidade de água que reduziria em 30 centímetros as reservas da Barragem de Castelo do Bode, perdendo-se grande parte dessa água no oceano.
Já em Agosto, o próprio rio do Risco começou a apresentar níveis de salinidade elevados (1 grama por litro, quando normalmente não ultrapassa os 0,3) e foi necessário adoptar procedimentos de emergência, com o fecho do Sorraia a norte do Porto Alto e sua ligação ao rio do Risco, distribuindo água por toda a rede de valas da lezíria a partir daí. "Tivemos que procurar todas as soluções. Esta foi uma delas e será, com certeza, o futuro do funcionamento disto tudo. O Sorraia está fechado de uma forma provisória. A água salgada já não vem de Sul e armazenamos toda a água doce", acrescentou Pedro Serrasqueiro, frisando que a água doce do Sorraia regista uma salinidade de 0,2 gramas por litro, excelente para as culturas da região.
O Sorraia está, assim, fechado, desde 13 de Agosto, numa solução temporária que poderá ser necessária apenas por mais alguns dias. Tudo depende da evolução da situação do Tejo. "Vamos continuar a acompanhar. Se a melhoria da água do Tejo se continuar a verificar, estaremos em condições de novamente meter água do rio do Risco proveniente do Tejo e, por isso, poderemos abrir o Sorraia", explicou, salientando que as culturas de tomate e de beterraba estão na sua fase final e a correr bastante bem e que a associação pensa ter condições para garantir que não haverá problemas até ao final das campanhas de milho e de arroz, em Outubro e Novembro.
"Atendendo às adversidades todas, mesmo assim é um ano razoável. Há agricultores que perderam alguma produção, devido a esta situação de água com menos qualidade. Esses factores adversos tiveram algum impacte, mas conseguiu-se minimizá-los", concluiu.

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