Echo & The Bunnymen em Vilar de Mouros O que foi não volta a ser

Peter Murphy consegue primeiro momento alto de Vilar de Mouros. Vinte e três anos depois, os Echo & The Bunnymen desiludem "veteranos" do festival

Peter Murphy fechou a noite de sexta-feira em Vilar de Mouros com um concerto que empolgou as cerca de dez mil pessoas presentes e que teve alguns dos poucos momentos memoráveis desta edição até aquele momento. Foi apenas na actuação do vocalista dos lendários Bauhaus que o festival fez lembrar outras edições, mesmo que a afluência do público seja bastante menor. Apesar da chegada do fim-de-semana e das férias para muitos portugueses, não há memória de um Vilar de Mouros com tão pouca gente.O segundo dia foi marcado pelo regresso dos Echo & The Bunnymen à aldeia minhota, depois da actuação na terceira edição do festival, em 1982. O concerto era esperado com alguma expectativa, já que não vinham a Portugal desde 1997 numa altura em que a banda se prepara para regressar aos discos (Siberia tem lançamento agendado para Setembro).
Fernando Zamith, jornalista e autor do livro Vilar de Mouros: 35 Anos de Festivais, e Mário Dorminsky, director do Fantasporto, estiveram em Vilar de Mouros em 1982 e assistiram ao concerto de anteontem. No final da actuação, marcada por alguns problemas técnicos (ver crítica), mostravam-se ambos desiludidos com o regresso dos ingleses, mas por motivos diferentes.
Para Mário Dorminsky, a banda foi igual a si mesma e o regresso "não veio renovar rigorosamente nada". Por isso, o concerto não se tratou propriamente de uma decepção. O que mudou, para Dorminsky, foi o contexto em que a banda foi recebida. "Na altura, tinham uma importância simpática. Aquela sonoridade fazia parte do quotidiano", diz. Dorminsky, que ainda só falhou uma edição de Vilar de Mouros, recorda que em 1982 estariam umas 20 mil pessoas no festival. Durante o concerto de Echo & The Bunnymen desta sexta-feira, o público rondou as três mil pessoas.
Já Fernando Zamith não hesita em dizer que o regresso dos Echo & The Bunnymen foi uma "decepção". "A maior parte das músicas estavam com um ritmo muito lento. Achei o Ian McCulloch [vocalista] muito displicente. Em 1982, aquilo era sentido, a atmosfera do pós-punk transpirava por todo o lado", explica. O impacto desse concerto fê-lo logo eleger os Echo como novo grupo favorito.
Velho festival
é "irrepetível"
No discurso dos dois "veteranos" do festival, há uma ideia recorrente: as circunstâncias em que foi realizado a edição de 1982 - a primeira depois do 25 de Abril de 1974 - são "irrepetíveis". "Não havia serviços nenhuns... era apenas o rio. Eram as meninas com flores nos cabelos, muitos charros, muita chuva, muita malta que foi aqui procriada", lembra Mário Dorminsky, entre risos. "Vir a Vilar de Mouros era quase transgressor", sintetiza. Fernando Zamith também compara a atmosfera daquela edição ao espírito de Woodstock, onde hippies, punks e "sobras do 25 de Abril" conviviam saudavelmente durante os nove dias que durava o festival - outra diferença relativamente ao actual, que dura quatro dias.
Zamith refere o "espírito libertino" que existia então, depois das edições de 1968 e 71 terem sido amplamente vigiadas pela PIDE e recorda o nudismo espontâneo e sem medos no Rio Coura e a presença "transversal" da droga em todas as "tribos". "Houve um apelo de um movimento anarquista, com panfletos a marcar um encontro para se juntarem todos na levada [do rio Coura] para fumarem ganza ostensivamente, mas ninguém apareceu", recorda o jornalista, classificando a edição de 1982 como um happening numa "aldeia perdida no mapa", mais do que um mero festival.
Mário Dorminsky considera que o cartaz desta edição é excessivamente revivalista. "Um programa como o deste ano chama malta com uns anitos em cima", diz. Contudo, como "não são as pessoas de 40 ou 50 anos que fazem o festival", há pouca gente em Vilar de Mouros, conclui. Já Fernando Zamith afirma que o evento volta a assumir-se como um "festival multigeracional", graças a um "cartaz único" que, segundo o jornalista, procura "redefinir a identidade do festival, voltando a centrá-lo no rock".

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