Artista ofereceu oito obras a portugueses em troca de produtos exóticos

Foi durante a sua estadia em Antuérpia que Dürer deu pinturas, desenhos e gravuras aos feitores portugueses

Albrecht Dürer nunca esteve em Portugal, mas foram "importantes" as suas relações com o mundo português, diz Dagoberto Markl, técnico do Museu Nacional de Arte Antiga. Exemplo disso são as oito obras que Dürer ofereceu, entre pinturas e desenhos, aos funcionários portugueses da feitoria de Antuérpia, durante uma viagem que fez pelos Países Baixos entre 1520 e 1521. O estabelecimento comercial português situava-se no Palácio Ymmerseele e Antuérpia era o mais importante centro de negócios da época. Logo que chegou, Dürer visitou os portugueses.
"Dürer sentia-se atraído pelo exotismo dos produtos que os feitores portugueses negociavam", continua o historiador de arte Dagoberto Markl. "O que interessava ao artista era o exotismo que os Descobrimentos tinham introduzido no quotidiano do Ocidente." Coisas como rinocerontes, cocos, corais, papagaios, etc.
Estas pinturas, desenhos e colecções de gravuras são descritas pelo próprio Dürer no diário que fez da sua estadia em Antuérpia. "Ele especifica detalhadamente, no seu diário, o que oferece aos portugueses. Tudo bem explicadinho. O mesmo não acontece, de uma forma geral, com as outras pessoas com quem contacta", comenta Markl.
Hoje, sabe-se apenas do paradeiro do famoso São Jerónimo, que está no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, e de dois desenhos, um guardado na Galeria Albertina, em Viena, e outro na Galeria dos Uffizzi, em Florença. Em troca, "os portugueses cumulavam o pintor de presentes, vinhos, produtos exóticos como especiarias e animais raros", comenta o historiador de arte.
Dürer chega a Antuérpia a 3 de Agosto de 1520. Poucos dias depois, o pintor retrata o director da feitoria, João Brandão, num dos quadros hoje perdidos, escreve Matthias Mende no catálogo da exposição do Prado. "Só relações mais antigas podem explicar este rápido contacto com o português", continua.
Um ano antes, continua Mende no catálogo, o segundo funcionário mais importante da feitoria, Rui Fernandes de Almada, "homem de grande talento e formação humanística", tinha estado em Nuremberga, a pedido do rei, por causa de um negócio importante. É provável que nessa altura "tivesse contacto" com Dürer. Ao feitor Brandão, Dürer ofereceu ainda duas pinturas - uma cabeça de uma criança e uma Verónica.
"Mas é com Rui Fernandes de Almada que Dürer mantém uma relação mais forte", diz o historiador de arte português. No seu diário da viagem, Dürer diz que a 16 de Março de 1521 pintou para Rui Fernandes de Almada o São Jerónimo: "Pintei com empenho um São Jerónimo a óleo e dei-o de presente a Ruderigo de Portugal." Pouco depois, faz um desenho de Rui Fernandes de Almada, que também está na Albertina, e mais um retrato desenhado, a Negra Catarina, que hoje está nos Uffizi, em Florença.
Segundo Dagoberto Markl, o diário menciona também o feitor Francisco - o "pequeno feitor", nas palavras do pintor. Pode ser Francisco Pessoa, o sucessor de Brandão, a quem dá um outro retrato de uma criança e novamente uma pintura de Verónica. Já no capítulo das gravuras, são dezenas as que oferece - Markl contabiliza 95.

O rinoceronte da Índia
A primeira prova desta relação com Portugal é dada pela famosa gravura do rinoceronte, que Dürer fez em 1515. O animal, que desembarcou em Lisboa junto à Torre de Belém em 1513, foi enviando da Índia por Afonso de Albuquerque ao rei D. Manuel I. Depois de ter estado em Lisboa, o rinoceronte seguiu para Roma, uma vez que D. Manuel quis presentear o Papa Leão X, mostrando o seu poder e a extensão do seu reino.
Dürer não pode ter visto o famoso animal, diz Dagoberto Markl, porque depois de um naufrágio o animal afogou-se a caminho de Itália. Foi o impressor Valentim Fernandes, como se lê numa carta que escreve em 1515 a um cidadão de Nuremberga, que pediu a um pintor residente em Portugal, cujo nome é desconhecido, para desenhar o exótico animal. "O desenho foi depois enviado para Nuremberga, a partir do qual Dürer fez a célebre gravura."
Markl pensa que o autor do desenho terá sido António de Holanda, pai do humanista Francisco de Holanda e autor do Livro de Horas Dito de D. Manuel, que o reproduz em, pelo menos, duas iluminuras. "O sucesso da gravura foi muito grande", diz Markl, acrescentando que desde o tempo dos romanos não se via um animal destes na Europa. Isabel Salema

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