A história desconhecida dos campos de concentração soviéticos
Porque é que conhecemos mal o "Gulag", apesar de os campos de concentração soviéticos terem durado de 1918 a meados dos anos 80? Onde é que se distinguia o sistema concentraccionário soviético do hitleriano? Como se organizaram os campos antes, durante
e depois de Estaline? É a estas e muitas outras questões que responde "Gulag: Uma História", um livro da jornalista e colunista
do "Washington Post" Anne Applebaum, que ganhou em 2004 o Prémio Pulitzer para a melhor obra de não ficção
sta é uma história do Gulag: uma história da vasta rede de campos de trabalho que foram um dia espalhados ao longo de toda a União Soviética, das ilhas do mar Branco às costas do mar Negro, do Círculo Polar Árctico às planícies da Ásia Central, de Murmansk a Vorkuta, ao Cazaquistão, do centro de Moscovo aos subúrbios de Leninegrado. A palavra "Gulag", literalmente, é um acrónimo, que significa Glavnoe Upravlenie Lagerei, isto é, Administração Central de Campos. Com o tempo, a palavra "Gulag" passou também a significar não apenas a administração dos campos de concentração, mas o próprio sistema de trabalho escravo soviético, em todas as suas formas e variedades: campos de trabalho, campos de castigo, campos criminais e políticos, campos de mulheres, campos de crianças, campos de trânsito. Num sentido mais lato, "Gulag" passou a significar o próprio sistema repressivo soviético, o conjunto de processos a que os prisioneiros um dia chamaram "Picadora de Carne": as detenções, os interrogatórios, o transporte em camionetas de gado sem aquecimento, os trabalhos forçados, a destruição das famílias, os anos passados no exílio interno, as mortes precoces e gratuitas.
Gulag tem antecedentes na Rússia czarista, nas brigadas de trabalhos forçados que laboraram na Sibéria entre o século XVII e o início do século XX. Tomou depois a sua forma moderna e mais conhecida quase imediatamente depois da Revolução Russa, tornando-se parte integrante do sistema soviético. O terror de massas contra reais e alegados oponentes fez parte da revolução desde o seu início - e no Verão de 1918, Lenine, o líder da revolução, já exigia que os "elementos duvidosos" fossem encerrados em campos de concentração fora das principais cidades. Uma série de aristocratas, comerciantes e outras pessoas definidas como potenciais "inimigos" foram prontamente encarceradas. Em 1921 existiam já oitenta e quatro campos em quarenta e três províncias, a maioria destinada a "reabilitar" estes primeiros inimigos do povo. A partir de 1929 os campos ganharam novo significado. Nesse ano, Estaline decidiu usar o trabalho forçado para acelerar a industrialização da União Soviética e para extrair os recursos naturais no extremo Norte da União Soviética quase desabitado. Também nesse ano, a polícia secreta soviética começou a controlar o sistema penal soviético, afastando aos poucos todos os campos e prisões do país do sistema judicial. Ajudados pelas detenções em massa de 1937 e 1938, os campos entraram numa fase de rápida expansão. No final dos anos 30, podiam ser encontrados em qualquer um dos doze fusos horários da União Soviética.
Ao contrário da crença popular, o Gulag não parou de crescer nos anos trinta, antes continuou a expandir-se durante a Segunda Guerra Mundial e nos anos 40, atingindo o seu auge nos primeiros anos da década de 50. Nessa altura os campos vieram a desempenhar um papel central na economia soviética. Produziam um terço de todo o ouro do país, a maioria do carvão e da madeira e uma grande parte de quase tudo o resto. No decurso da existência da União Soviética, foram montados pelo menos 476 complexos diferentes de campos, consistindo num total de milhares de campos individuais, cada um dos quais contendo entre poucas centenas e muitos milhares de pessoas. Os prisioneiros trabalhavam em praticamente todas as indústrias imagináveis - abate de árvores, minas, construção, trabalho fabril, agricultura, desenho de aviões e artilharia - e viviam, com efeito, num país dentro do país, quase uma civilização à parte. (...)
esde 1929, quando o Gulag iniciou a sua principal expansão, até 1953, quando Estaline morreu, as melhores estimativas indicam que cerca de dezoito milhões de pessoas passaram por este sistema maciço. Cerca de outros seis milhões foram enviados para o exílio