Cesário Verde Poeta dos poetas, autor do "melhor poema do século XIX"

Cesário Verde é um dos poetas portugueses mais lidos, autor da obra-prima da poesia portuguesa do século XIX. Há quem diga que fica melhor no século XX, porque antecipou a modernidade. Está para sair uma edição crítica da sua obra, que revê datas de poemas e correspondência. Talvez haja um inédito, fazendo aumentar para 41 os poemas conhecidos que escreveu. Por Isabel Salema

Poeta de um livro só, poeta dos poetas, José Joaquim Cesário Verde nasceu há 150 anos na Baixa pombalina, em Lisboa, talvez na Rua da Padaria. No calendário religioso, assinalava-se o dia de S. Cesário, que deu o terceiro nome próprio ao poeta.O pai era um comerciante de ferragens e também explorava uma quinta em Linda-a-Pastora, nos arredores de Lisboa. A loja dos Verdes ficava na mesma freguesia onde Cesário nasceu, na Rua dos Fanqueiros, esquina com a Rua da Alfândega, de onde se vê o Terreiro do Paço. Os parafusos da loja e a fruta da quinta chegaram a figurar na sua poesia.
O poeta, que morreu aos 31 anos de tuberculose, refugiou-se sempre nesta identidade de negociante quando se sentia ignorado como homem de letras. Uma ambivalência que é uma constante - aos 18 anos matriculou-se no curso superior de Letras para logo o abandonar. Dois anos antes da morte, num longo poema autobiográfico intitulado "Nós", escreveu: "E agora, de tal modo a minha vida é dura,/ Tenho momentos maus, tão tristes, tão perversos, /Que sinto só desdém pela literatura,/ E até desprezo e esqueço os meus amados versos!" Foi até ao fim da vida "o sr. Verde, empregado de comércio", como se identificou ao médico que o tratava da tuberculose, numa célebre carta citada por vários autores. Mas logo se arrependeu e pediu a um amigo para desfazer o equívoco. "Eu não posso bem explicar-te: mas a tua muita amizade compreende os meus escrúpulos: sim?"
Cesário Verde escreveu os primeiros poemas meses antes de entrar para o curso de Letras, revelados no "Diário de Notícias" pelo fundador e director do jornal, Eduardo Coelho, que tinha trabalhado ao balcão da loja de ferragens.

Pouco estudadoAos 25 anos, publicou um dos seus poemas mais amados, "O Sentimento dum Ocidental", tendo sido completamente ignorado pela crítica. Nem uma palavra, escreveu a um amigo, sobre o poema feito para evocar o tricentenário da morte de Camões: "Nas nossas ruas, ao anoitecer,/ Há tal soturnidade, há tal melancolia,/ Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia/ Despertam-me um desejo absurdo de sofrer."
"É a obra-prima da poesia portuguesa do século XIX", diz Helder Macedo, professor emérito do King"s College, em Londres e autor de várias obras sobre o poeta. "Cesário Verde é o poeta de todos os poetas portugueses, de Pessoa, Sá-Carneiro, O"Neil e Cesariny... Mas não foi muito estudado. Há muito mais a dizer sobre Cesário", continua o especialista.
Em Abril, a editora Relógio d"Água vai publicar uma edição crítica dos poemas e da correspondência de Cesário Verde, da autoria de Teresa Sobral Cunha. "Sou uma pessoana", começa por dizer a autora, sublinhando que é impossível fazer uma edição crítica definitiva da poesia de Cesário Verde. "Há muito poucos manuscritos. Há só três, dois poemas e uma carta. Parte da casa de Linda-a-Pastora ardeu em 1919 com os livros e papéis do poeta. Esta será uma edição paracrítica, porque não há manuscritos originais. Também não há nenhum volume publicado em vida que pudesse ter sido corrigido pelo poeta", diz Sobral Cunha.
"O Livro de Cesário Verde" foi organizado postumamente por um jornalista e crítico literário, António José Silva Pinto, que conheceu o poeta no curso de Letras. Como escreveu o historiador e ensaísta Joel Serrão, em "Obra Completa de Cesário Verde" (Livros Horizonte, 2003): "O implacável destino condenara o poeta a não ser lido senão mediante "O Livro de Cesário Verde" e os jornais por onde fora dando a lume as suas poesias."
Foi em 1887, nove meses depois da morte de Cesário, que Silva Pinto editou um livro com 200 exemplares e 22 poemas, distribuído "pelos parentes, pelos amigos e pelos admiradores provados do ilustre poeta". O crítico evoca que o livro obedece a um plano do próprio poeta, mas a tese, ou o seu contrário, nunca foi provada.

O possível inéditoA escolha dos poemas feita por Silva Pinto obedece a uma "estética naturalista", explica Helder Macedo. "Silva Pinto meteu as mãos nos poemas", reconhece o especialista, "mas por causa do incêndio não sabemos se eram correcções dele ou resultado de conversas com o poeta."
Os poemas "relegados" por Silva Pinto foram depois publicados por Luís Amaro de Oliveira e Alberto Moreira, diz Sobral Cunha, fazendo chegar a 40 o número de poemas.
Na nova edição crítica, a investigadora vai publicar um possível inédito, o que poderá fazer subir para 41 os poemas de Cesário. A investigadora explica que se trata de um anónimo encontrado numa revista de Lisboa, publicado em Agosto de 1873, o que anteciparia a estreia do poeta. "Vou publicar um inédito de que não estou absolutamente certa." O poeta, que tem dois outros poemas publicados sob pseudónimo, "apresentou-se anónimo para testar a reacção do público", comenta Sobral Cunha.
A novidade da edição, "a mais-valia", nas palavras da autora, é permitir, através da comparação de cartas e poemas, propor novas cronologias. Exemplo disso é o poema "Humilhações", cuja data poderá recuar para 1875, se se considerar que é esta poesia que Cesário envia a Silva Pinto na carta que começa "Como hoje é domingo". E Teresa Sobral Cunha comenta: "Fiquei surpreendida por as cartas não estarem tratadas em relação aos factos que relatam. Deram pistas novas para a poesia. Mais uma vez se prova o descaso em que temos os nossos patrimónios."

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