Segregação nas escolas banida há meio século continua a existir nos EUA

A 17 de Maio de 1954, o Supremo Tribunal dos EUA decidiu que a segregação em escolas públicas "com base apenas na raça" era inconstitucional, porque negava às crianças negras "igualdade de oportunidades educativas". O caso ficou conhecido como "Brown vs. Board of Education", e foi o primeiro grande passo no movimento de direitos civis que acabou com a segregação racial na América.Mas 50 anos depois, embora já não haja segregação oficial, há segregação de facto nas escolas americanas. As crianças de minorias étnicas (negras e hispânicas) estudam em escolas piores e têm resultados inferiores ao dos seus colegas brancos. E, por razões económicas e sociais, as raças cada vez se misturam menos nos bancos das escolas dos EUA: o sistema educativo americano divide-se progressivamente entre escolas "brancas" e "de cor".O caso "Brown vs. Board of Education" foi o início do fim das leis "Jim Crow", que instituíram o princípio "separados mas iguais"; segundo esta tese segregacionista, brancos e negros tinham direitos iguais, mas vidas separadas - escolas, piscinas, hospitais "para brancos" e "para negros". Na prática, isto significava um "apartheid" em que as instalações para brancos eram boas e as para negros, más ou inexistentes.Um processo iniciado na pequena cidade de Topeka, no Kansas (centro dos EUA), acabou no Supremo Tribunal e revolucionou o ensino americano. As escolas deixaram de ser segregadas; alunos brancos e negros passaram a frequentar os mesmos estabelecimentos e, em teoria, a receber a mesma educação.Mas embora a lei tenha sido mudada, a realidade era mais difícil de alterar. A integração foi feita lentamente, porque as comunidades brancas e negras viviam em sítios diferentes, e portanto as suas crianças não iam às mesmas escolas.Nos anos 70 tentou-se acelerar o processo, através de um plano conhecido como "busing": levar de autocarro crianças negras para escolas "brancas" e vice-versa. O plano tornou-se imensamente impopular, e foi abandonado.Nas últimas décadas, houve um retrocesso na integração racial do ensino. Nos EUA, não há um Ministério da Educação centralizado; as decisões sobre programas e financiamento são tomadas a nível local, por "school boards" independentes, escolhidos em eleições.Por isso, a qualidade das escolas públicas varia imenso de acordo com a comunidade em que estejam localizadas. As escolas de zonas ricas são bem equipadas e têm dinheiro para atrair os melhores professores; as escolas de zonas pobres são degradadas, violentas e oferecem um ensino de pouca qualidade.A partir da década de 80, muitas famílias brancas de classe média começaram a fugir das cidades e das suas escolas degradadas, e a levar as suas crianças para os subúrbios. Isso esvaziou ainda mais de financiamento as escolas de zonas pobres, e aumentou o número de escolas só com brancos ou só com negros (e, com o enorme aumento da emigração vinda da América Latina, só com hispânicos).Segregação por via geográficaIsto significa que as famílias brancas, com meios para se mudar para zonas com boas escolas, deixaram para trás as famílias negras e hispânicas mais pobres. Como negros e hispânicos vão a escolas inferiores, os seus resultados académicos também são piores (a excepção entre as minorias étnicas são os asiáticos, cujos resultados académicos são superiores mesmo aos de estudantes brancos).Segundo uma sondagem da revista "Newsweek", a maior parte dos americanos hispânicos e, sobretudo, negros acham que as escolas públicas não servem bem os seus filhos. A mesma sondagem apurou que 57 por cento dos negros não acham importante que os seus filhos estejam em escolas racialmente integradas - mas também acham que os recursos são distribuídos de acordo com a raça (ou seja, que as escolas "brancas" têm mais meios)."Hoje a segregação legal já não existe, mas as nossas escolas continuam a ser demasiado separadas e desiguais", escreveu no "Chicago Sun-Times" o activista negro Jesse Jackson. "A segregação geográfica tornou as escolas racialmente mistas numa raridade. E com a segregação 'de facto' veio uma educação separada e desigual."Entre as soluções propostas para resolver o problema está a imposição de testes estandardizados a nível nacional para todos os níveis educativos. Surpreendentemente, as sondagens mostram que negros e hispânicos apoiam esta ideia - a de que é melhor chumbar um aluno que não aprendeu que deixá-lo passar de ano para ano sem ter conhecimentos.Discriminação positiva em causaAs medidas de discriminação positiva ("affirmative action"), que garantem quotas nas universidades a estudantes de minorias étnicas, ajudaram muitos negros e hispânicos a atingir o ensino superior. Mas nos últimos anos tem havido muitas críticas à "affirmative action", sobretudo de estudantes brancos e asiáticos que se dizem prejudicados pelo benefício a pessoas de minorias étnicas com mérito académico inferior.O Presidente George W. Bush propõe uma solução extremamente controversa - os "vouchers" educativos. Esta ideia prevê avaliar as escolas públicas segundo uma série de padrões de qualidade; os alunos de escolas que estivessem a falhar receberiam "vouchers" do Estado para pagar a sua transferência para escolas privadas.Esta ideia é contudo muito difícil de impor devido à oposição sobretudo de sindicatos de professores. Os críticos argumentam que os "vouchers" iriam apenas piorar ainda mais o estado das escolas degradadas, porque para financiar as escolas privadas seria preciso tirar recursos aos estabelecimentos públicos, que se queixam cronicamente de não receber fundos suficientes.Em todo o caso, não há dúvida que a América progrediu muito em relação a 1950. O número de crianças de minorias étnicas no ensino básico, secundário e superior aumentou vertiginosamente nas últimas décadas. E o conceito de integração já não é contestado por quase ninguém. Estava marcada para ontem uma manifestação de grupos racistas em Topeka para protestar contra "Brown vs. Board of Education". Não se previa que o protesto atraísse mais que algumas dezenas de pessoas.

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