Schwarzenegger o "Exterminador", ou Arnold o "Bárbaro"?


Existem muitas maneiras de encarar a candidatura de Arnold Schwarzenegger a governador da Califórnia, mas há duas perspectivas fundamentais. A primeira é a dos seus apoiantes. Schwarzenegger é o "Extreminador", a encarnação do "sonho americano": um imigrante vindo da Áustria, que chegou à América sem nada e se transformou num campeão de culturismo, na estrela de cinema mais bem paga do mundo e, finalmente, num "outsider" da política determinado a "devolver à Califórnia tudo aquilo que ela [lhe] deu".

A segunda é a dos seus detractores. Arnold é "Conan o Bárbaro", um actor vaidoso com um passado duvidoso repleto de acusações de assédio sexual e comportamento impróprio, consumo de drogas leves e esteróides, sem ideias políticas e com um discurso vazio, que está a servir de "testa de ferro" a uma tentativa do Partido Republicano de usurpar o poder na Califórnia.

Arnold Alois Schwarzenegger nasceu na cidadezinha austríaca de Thal, perto de Graz, em 1947 (o estádio de futebol do clube local, Sturm Graz, tem o seu nome). O pai trabalhava como carpinteiro, e segundo várias biografias a sua relação com Arnold foi turbulenta. Schwarzenegger descobriu a sua vocação aos 14 anos, quando se tornou num fanático do culturismo; faltava às aulas para poder ir treinar para o ginásio.

A sua dedicação valeu-lhe títulos de culturismo amador ("Mr. Universo") e, aos 20 anos, de "Mr. Olympia". Em 1968, mudou-se para a América. A sua carreira começou de forma pouco auspiciosa - num filme B de 1970 chamado "Hércules em Nova Iorque" (ele aparece creditado como "Arnold Strong").

Mas Schwarzenegger tinha uma fé quase messiânica em si próprio. Em "Pumping Iron", documentário de 1977 sobre o mundo do culturismo, dizia: "Sempre sonhei com pessoas muito poderosas, ditadores e coisas assim. Sempre quis obter [esse tipo de reconhecimento], ser recordado durante séculos."

Essa autoconfiança transformou uma montanha de músculos monossilábica com um nome impronunciável e um sotaque teutónico na maior estrela de cinema de Hollywood. "Conan o Bárbaro" (I e II), "Comando", "Predador", "Terminator" (I e II), "Total Recall": Schwarzenegger tornou-se num ícone dos anos 80.

Por essa altura, Schwarzenegger casou-se com Maria Shriver, uma jornalista com "pedigree" (neta de John F. Kennedy); apesar de ter casado com a realeza do Partido Democrata, o actor acabou por se tornar republicano. Fã de Ronald Reagan, Schwarzenegger diz-se "mais à vontade com a filosofia de Adam Smith que com a teoria keynesiana".

Em 1989, o Presidente George Bush nomeou Schwarzenegger conselheiro especial para a forma física - um cargo sem poderes, mas que lhe valeu viajar pelo país e desenvolver contactos políticos. A sua imagem começava a mudar, numa altura em que a carreira cinematográfica entrava em declínio, com "flops" como "Gémeos" ou "Last Action Hero".

No final da década de 90 começou a falar-se a sério na hipótese de Schwarzenegger ser candidato a governador. Segundo o "Los Angeles Times", ele só não avançou em 2002 porque teve receio de uma campanha "suja" que recuperasse acusações como as de um artigo da revista "Premiere" em 2001, intitulado "Arnold o Bárbaro" - em que várias mulheres descreviam o actor como dado a apalpanços, piropos e frescuras desse género.

Quando a eleição de "recall" foi marcada, o "timing" parecia perfeito. Uma campanha curta, em que Schwarzenegger nem precisaria de metade dos votos para ganhar, aos 56 anos, quando a sua carreira cinematográfica está claramente no crepúsculo. Mesmo assim, ele hesitou. Acabou por anunciar a sua candidatura no "talk show" de Jay Leno, descrevendo a decisão de avançar como "a mais difícil desde que resolvi rapar as virilhas".

A principal acusação contra Schwarzenegger começou por ser que ele não tinha domínio dos "dossiers", que a sua candidatura era apenas imagem. O actor respondeu rodeando-se de "pesos pesados" como o ex-secretário de Estado George Schultz ou o magnata Warren Buffett; apresentou um plano de dez pontos para os seus primeiros cem dias como governador; e, no único debate televisivo a que acedeu participar, não foi brilhante mas também não foi pior que os seus adversários.

Mas Schwarzenegger dissera que os seus rivais iriam "atirar lama" contra si, e tinha razão. Foi encontrada uma entrevista de 1978 à defunta revista "Oui" em que Schwarzenegger se gabava de: consumir marijuana; tomar esteróides; orgias com várias mulheres e outros culturistas. Noutra entrevista, disse à "Talk" em 1999: "Eu inalei, exalei, fiz tudo."

O actor responde que isso eram apenas exageros da juventude; mas na quinta-feira surgiram acusações de assédio sexual. Onze mulheres diferentes vieram a público contar episódios que pintam o retrato de um homem grosseiro, que gosta de apalpar mulheres e de brincadeiras que em alguns casos vão para lá dos limites da respeitabilidade.

A maioria dos americanos perdoou a Bill Clinton os seus escândalos sexuais (que eram de cariz diferente); hoje se saberá se os californianos perdoam ao "Terminator" o seu lado de "Conan o Bárbaro".

Pedro Ribeiro, em Los Angeles

Schwarzenegger é o novo governador da Califórnia com mais de 50 por cento dos votos (actualização)

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Schwarzenegger é o segundo actor a tornar-se governador da Califórnia depois de Ronald Reagan Francis Specker/EPA

Quando estão contabilizados 95 por cento dos votos para a eleição do novo governador da Califórnia, o candidato republicano Arnold Schwarzenegger conta até ao momento com 54,45 por cento dos votos e já proferiu o seu discurso de vitória.

O vice-governador, o democrata Cruz Bustamante, fica atrás de Schwarzenegger, com 32,4 por cento das intenções de voto, logo seguido pelo republicano Tom McClintock, que chega na terceira posição, com 13,3 por cento dos votos.

Os dois candidatos republicanos totalizam dois terços dos resultados do sufrágio californiano. A Califórnia contava com um governador democrata desde 1998 e votou maioritariamente a favor de Al Gore nas presidenciais de 2000.

Porém, o estado norte-americano mais populoso e o terceiro de maior dimensão será a partir de agora governado por um republicano, numa altura em que se aproximam as presidenciais, marcadas para 2004.

Antes do escrutínio, o Presidente George W. Bush prometeu trabalhar com Schwarzenegger, caso este fosse eleito.

No "recall" - votação para o afastamento ou continuação no posto do actual governador - 54,6 por cento dos eleitores votaram a favor da saída do democrata Gray Davis, quando estão contabilizados 94 por cento dos votos.

Schwarzenegger agradece a confiança dos californianos

Perante os seus apoiantes e ao lado da sua mulher, Maria Shriver, neta de John F. Kennedy, Schwarzenegger fez o discurso de vitória poucas horas depois do fecho das urnas, às 20h00 locais (03h00 de Lisboa). Pouco antes, Davis reconhecia a derrota e saudava a vitória de Schwarzenegger.

"Hoje, a Califórnia deu-me o maior presente de todos os que já recebi: deu-me a vossa confiança", afirmou Schwarzenegger perante uma multidão de apoiantes.

"Cheguei aqui com absolutamente nada e a Califórnia deu-me absolutamente tudo", afirmou o actor.

Depois de agradecer à sua mulher, à sua família política e a toda a sua equipa eleitoral, comprometeu-se a criar na Califórnia uma atmosfera de trabalho, negócios e educação e a "governar para o povo". O actor disse ainda que quer fazer "grandes coisas no maior estado do maior país do mundo" (a Califórnia é o estado mais populoso dos EUA).

Schwarzenegger é o segundo actor a tornar-se governador da Califórnia depois de Ronald Reagan, eleito para essas funções em 1967, antes de chegar à Casa Branca em 1980. No entanto, a Presidência dos EUA é algo a que Arnold não poderá aceder, já que segundo a Constituição norte-americana, os candidatos têm de ser cidadãos nascidos no país.

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