O campeão de xadrez Kasparov volta a enfrentar um supercomputador

Começa esta noite em Nova Iorque, nos Estados Unidos, um novo episódio da velha batalha entre o homem e a máquina: o campeão de xadrez Garry Kasparov joga hoje a primeira de seis partidas que, até 7 de Fevereiro, o vão colocar frente a frente com um supercomputador. Depois de ter sido derrotado pelo Deep Blue, agora Kasparov, que não perde frente a nenhum ser humano há 18 anos, vai enfrentar Deep Junior, um computador que é capaz de ceder algumas peças no tabuleiro se isso lhe trouxer benefícios a mais longo prazo no jogo. Esta estratégia tem-se revelado demolidora: não perde com um ser humano há dois anos.O Deep Blue era um monstro de 1,4 toneladas, do tamanho de um frigorífico. Tinha 418 processadores, capazes de calcular 200 milhões de movimentos de peças de xadrez por segundo. Mas não foi este esmagador poder de cálculo que levou o campeão humano a perder, mas sim as emoções. "Logo de início deixe-me arrastar pela tensão. No último jogo, já não estava em condições de jogar xadrez, nem de fazer nada", recordou Kasparov, em declarações ao jornal "The New York Times". Na altura, Kasparov afirmou que o computador tinha feito batota - ou pelo menos que os programadores da IBM que criaram o poderoso "software" do Deep Blue não tinham jogado pelas regras, uma vez que enganar ao jogo é uma característica tipicamente humana. A IBM negou que tivesse havido batota e desmontou o Deep Blue, apesar de Kasparov reclamar uma nova oportunidade. Muita tinta e muitos "bytes" se gastaram em reflexões sobre se a máquina teria, de facto, ultrapassado o homem. O velho problema do criador e da sua criatura ganhou corpo no confronto entre Kasparov e o Deep Blue.Passados seis anos, Kasparov, que tem 39 anos, encontrou um adversário para se desforrar: o Deep Junior, criado por dois programadores informáticos israelitas, de Telavive - Amir Ban e Shay Bushinsky. A competição é patrocinada pela Fundação Mundial de Xadrez e em jogo está um milhão de dólares (mais ou menos o mesmo valor em euros). Só por aceitar participar, Kasparov vai receber 500 mil dólares. O vencedor receberá 300 mil dólares e o perdedor levará para casa um prémio de consolação bastante agradável: 200 mil dólares. Kasparov mostra-se satisfeitíssimo: "Fico muito contente que a importante experiência científica de colocar a imaginação do homem frente a frente com o poder de cálculo de uma máquina possa continuar, em condições justas", afirmou, citado pelo "The New York Times".A experiência - que começa esta noite, às 21h30, hora de Lisboa - pode vir a revelar-se até bastante interessante. O programa Deep Junior tem características que se poderão dizer algo humanas: "Joga de uma forma mais parecida com a de Kasparov - pratica um xadrez atrevido e perigoso", disse Frederick Friedel ao serviço noticioso "on-line" da revista "Nature" ( http:www.nature.com/nsu ). Friedel é o responsável pela empresa Chessbase, de Hamburgo, que comercializa um outro programa de xadrez, não tão avançado, chamado Deep Fritz.Tentar fazer cálculos mais depressa do que um computador é loucura: o Deep Junior analisa normalmente três milhões de movimentos por segundo. Mas, mesmo assim, não consegue fazer previsões de muito longo prazo, porque o número de movimentos possíveis em xadrez é arrasador: há cerca de 85 mil milhões de maneiras de fazer os quatro primeiros movimentos, para cada um dos jogadores. Ainda assim, alguns humanos continuam a conseguir bater os computadores.Mas o Deep Junior tem uma característica interessante: não procura escolher sempre o melhor movimento em todas as jogadas. Pode ceder uma ou outra peça, se isso puder levar o adversário a um ponto sem saída. Mas Kasparov tem-se treinado, nos últimos meses, com uma versão do programa Deep Junior - que não precisa de um computador do tamanho de um frigorífico para funcionar, como acontecia em 1997 com o Deep Blue. Agora, o Deep Junior pode correr num simples computador portátil.Ainda assim, o melhor para Kasparov será evitar sequências tácticas complicadas, que a máquina pode antecipar, disse à "Nature" Murray Campbell, da IBM, que integrou a equipa que criou o Deep Blue. A fadiga e o "stress", que afectam os humanos mas não os computadores, podem vir a ser os factores decisivos. Quem quiser seguir o jogo em directo "on-line", pode fazê-lo no endereço http://www.x3dworld.com/Entertainment/CI_X3DEvnt_MvM_Big_Frameset.html .

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