Informação 2: Uma "pedrada no charco"

António Mega Ferreira tem na sua frente Leopold Senghor. O Presidente do Senegal viera em visita oficial a Lisboa e concedeu uma entrevista ao telejornal do segundo canal da RTP. Quando se esperaria que o "pivot" conduzisse a conversa para as relações bilaterais com Portugal, ou para o modelo de socialismo liberal que Senghor havia criado, Mega Ferreira contorna o óbvio. Questiona o interlocutor sobre poesia e literatura. No final, o Chefe de Estado, num misto de regozijo e admiração, confessa: "Há muito tempo que não me faziam uma entrevista sobre poesia." O episódio é contado por Mega Ferreira, mais tarde um dos protagonistas da Expo 98, para descrever a diferença que, há 24 anos, o Informação 2 levou a um panorama televisivo até então cingido aos padrões da RTP1. O programa - um telejornal diário e magazines de actualidades ao fim-de-semana - introduziu uma ruptura com a concepção informativa existente. Na forma, evitava a mera transmissão de notícias, apostando num jornalismo explicativo e analítico. No conteúdo, privilegiava assuntos "que iam ao encontro das necessidades das pessoas", como diz Hernâni Santos, que em 1978 assumiu a direcção de Informação da RTP2. Ele recorda que, quatro anos depois do 25 de Abril, "as pessoas já estavam fartas de política e, sobretudo, do tom oficialês com que era abordada nos telejornais": "Nós só privilegiávamos a política, se esta se reflectisse na vida das pessoas." Para além da novidade do conceito, a Informação 2 deu também a conhecer uma série de profissionais que Hernâni Santos foi buscar, sobretudo, à imprensa. Nomes como António Mega Ferreira, José Júdice, Dina Aguiar, José Rocha Vieira, Luís Pinto Enes ou Gualdino Paredes formaram "uma equipa irrepetível que nunca mais se juntará na TV portuguesa", segundo Henrique Garcia, um dos 25 jornalistas que, a 16 de Outubro de 1978, deram início ao programa.Mega Ferreira e José Júdice alternavam na função de "pivot" do telejornal que ia para o ar, diariamente às 22h00. De repente, os portugueses viam a actualidade internacional, bem como problemáticas sociais (saúde, educação, vida sindical) em plano de destaque. "Que me lembre, nunca o jornal da RTP1 abriu sem ser com política nacional", refere o ex-homem forte da Parque Expo.Para Hernâni Santos, "enquanto a RTP1 passava superficialmente e sem talento pela actualidade do dia, a Informação 2 detinha-se e tratava em profundidade os grandes temas". "Eles davam o facto. Nós dávamos o facto e perguntávamos porquê", acrescenta Mega Ferreira. Tornou-se frequente a presença de convidados em estúdio, "por vezes quatro ou cinco para aprofundar o mesmo assunto". Eram pessoas que, segundo Hernâni Santos,"procuravam descodificar certo tipo de assuntos para melhor compreensão do espectador e não botar faladura." O que, para Mega Ferreira, marcou também uma ruptura com os padrões vigentes. "Dantes entrevistava-se pouco e mal. Nós passámos a fazê-lo muito e bem." A Informação 2 surge associada ao advento de uma nova RTP2, até 1978 um canal praticamente inexistente, sem uma programação própria. Nesse ano, João Soares Louro assume a presidência da estação e estabelece uma estratégia que, mais tarde, sintetizará da seguinte forma: "Levar até às últimas consequências a concorrência entre o primeiro e o segundo canal", seguindo o princípio de que, em televisão "não há um, mas vários públicos". Separa as direcções de programas dos dois canais e incumbe Fernando Lopes de fazer da RTP2 um canal alternativo. f+bf-b"Havia uma forma integrada de trabalhar. Algumas das séries que estavam a ser exibidas eram acompanhadas por trabalho jornalístico que passava na Informação 2", refere Hernâni Santos, que cita o exemplo de Holocausto. A partir da série sobre o genocídio dos judeus, na II Guerra Mundial, "fez-se um especial de informação com vários convidados, entre os quais um austríaco fugido em 1938", recorda Mega Ferreira. Na Informação, a delimitação de campos entre os dois canais era uma realidade: redacções separadas, uma equipa de cada canal para cobrir o mesmo acontecimento. Para Hernâni Santos, o Informação 2 "constituía uma alternativa real à banalidade e à governamentalização da RTP1".Se a diferença era visível nos assuntos abordados, também o era, acrescenta Mega Ferreira, no estilo de apresentação. "Havia o hábito, sobretudo dos políticos, de falarem interminavelmente e de os apresentadores serem meros pés de microfone. Nós, pelo contrário, éramos agressivos e íamos direitos ao assunto."Por tudo isto, Mega Ferreira considera que se esteve perante "o primeiro espaço de informação-espectáculo em Portugal". Até em momentos de maior solenidade, como no falecimento, em 11 de Setembro de 1979, de Agostinho Neto. O Informação 2 fez um especial de uma hora, que terminou com Manuel Alegre a declamar poemas do antigo Presidente angolano.As más condições logísticas e de equipamento não são esquecidas. "O estúdio era tão pequeno que as câmaras chocavam umas nas outras. Inacreditável!", diz Mega Ferreira. "Procurei fazer ver à administração que tínhamos crescido muito depressa e que, se não fizéssemos investimentos, nomeadamente em equipamento, ficaríamos a marcar passo. As pessoas assim não o entenderam", explica Hernâni Santos. O investimento ficou por fazer, apesar das queixas da equipa e da solidariedade de um candidato a primeiro-ministro. "No fim da primeira parte de uma entrevista, o dr. Sá Carneiro, abriu o casaco e tinha a camisa empapada em suor. E então disse: Vocês não têm de facto condições para trabalhar." Durou pouco a cumplicidade do líder do PPD, visto que o epílogo de Informação 2 começa com a ascensão ao poder da AD, em Outubro de 1979. O estilo do programa é cada vez menos bem visto pelo governo de Sá Carneiro. Na verdade, a Informação 2, criou desde o início atritos com o meio político. "Éramos acusados de ser o canal vermelho", recordam Mega Ferreira e Henrique Garcia.Victor Cunha Rego substitui João Soares Louro à frente da RTP e sustenta que a estação "é um aparelho ideológico do Estado". Consequência: "transferiu uma grande parte de nós para o recém-criado Gabinete de Projectos Especiais, onde passámos um ano sem nada para fazer", relembra Mega Ferreira. A certidão de óbito de Informação 2 é passada por Proença de Carvalho, no início de 1981, poucos meses depois de assumir os destinos da RTP. Justificou, anos mais tarde, a decisão pelo carácter "demasiado 'engagé' e esquerdista" do programa, que, no entanto, se manteve em antena até 1983, com o mesmo nome, mas num registo diferente dos moldes iniciais.Para Henrique Garcia e outros jornalistas da equipa, a Informação 2 acabou por "motivos políticos", dado que "questionava o estado das coisas e isso custou-lhe caro". Mas, considera Mega Ferreira, deixou um legado: "um estilo que ainda se mantém com o Jornal-2, que continua a ser diferente do da RTP1".

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