Sampaio quer maior (re)conhecimento da cultura judaica em Portugal

O Presidente da República, Jorge Sampaio, defendeu ontem que o futuro museu judaico de Lisboa "virá contribuir para a preservação de uma história e de uma herança que todos ganharemos em conhecer melhor". Referindo-se ao contributo dos judeus portugueses para a construção de Portugal nos campos da economia, da ciência e da cultura e às perseguições sofridas ao longo de vários séculos, o PR acrescentou que a vocação universalista do país se reforçou "nos períodos de tolerância" e decaiu nos tempos de intolerância.Jorge Sampaio falava na cerimónia que marcou, ao fim da tarde de ontem, a abertura das comemorações do centenário da Sinagoga Shaaré Tikvá (Portas da Esperança), de Lisboa. Afirmando que a sua presença na cerimónia, em nome do Estado português, significava o "apreço" do país pela acção da comunidade judaica, citou nomes de judeus portugueses que, ao longo dos séculos, se distinguiram nos seus campos de actividade, como Garcia de Orta, Amato Lusitano ou Samuel Usque, o autor da "Consolação às Tribulações de Israel". A cerimónia de ontem, realizada para marcar o centenário do lançamento da primeira pedra, que decorreu a 25 de Maio de 1902, incluiu a oração de vários salmos de louvor. Um deles, o salmo 150, foi o mesmo que em 1902 foi rezado na bênção da primeira pedra. "Louvai o Senhor no seu santuário, louvai-o no firmamento do seu poder, louvai-o por suas obras poderosas." Em diversos momentos, intercalando os salmos, a oração da tarde e os discursos, as 23 vozes masculinas do Jerusalem Cantors Choir (que logo à noite dá um concerto no Centro Cultural de Cascais) trouxeram à cerimónia o tom da diáspora judaica que atravessa os séculos e se compõe de lamento e esperança permanente. Na audiência, incluíam-se ainda o ministro das Obras Públicas, o presidente da Câmara de Lisboa, o ex-ministro Vera Jardim, responsável pela elaboração da Lei de Liberdade Religiosa), um bispo auxiliar do patriarcado de Lisboa, o presidente da Comunidade Islâmica da capital e vários representantes de outras confissões religiosas. Com a formalidade dos fatos escuros dos homens, em baixo, e o colorido dos vestidos femininos nos andares de cima - a sinagoga lisboeta ainda mantém lugares separados para homens e mulheres -, o momento mais solene foi o da procissão dos "sefarim", os rolos da lei, transportados por sete membros da comunidade enquanto se entoava um salmo e um cântico de boas vindas.Daqui a dois anos, quando se completarem 100 anos sobre a sua inauguração, a sinagoga deverá estar completamente restaurada e complementada com um novo museu dedicado à memória dos 200 anos da actual comunidade judaica de Lisboa. Para a realização das obras, cujo custo está calculado em cerca de um milhão de euros (aproximadamente 200 mil contos) a Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) conta, para já, apenas com um apoio de 125 mil euros (25 mil contos), da Direcção-Geral de Monumentos Nacionais.A propósito do futuro museu e da falta de dinheiro, o PÚBLICO interpelou o ministro da Cultura, Pedro Roseta. Que se voltou para Esther Mucznick, vice-presidente da CIL, a pedir alguns esclarecimentos sobre o projecto. A ideia inicial da comunidade era instalar um museu judaico português. Mas a falta de dinheiro levou à opção por um pequeno núcleo museológico, em cerca de 150 metros quadrados, e com o conteúdo restringido à história da comunidade de Lisboa. Ouvidos os esclarecimentos, o ministro prometeu estudar as possibilidades de apoio. Quem apelou também à ajuda do Estado foi o presidente da CIL, Samuel Levy, depois de se referir à diáspora dos judeus portugueses: após a expulsão no século XV, instalaram-se comunidades em cidades como Amesterdão, Nova Iorque, Londres, Bordéus, Marselha ou Istambul e, em algumas dessas sinagogas, a oração pelos governantes ainda é lida em português. "Como se os séculos não tivessem passado e as memórias não fossem dolorosas, houve famílias que, após oito a dez gerações, para cá regressaram. Mesmo os que o não fizeram nunca deixaram de ter os seus pensamentos dirigidos a Portugal", numa manifestação de "amor" com o país. "Seria bom que essas comunidades fossem melhor conhecidas e acarinhadas pelo Governo português, podendo daí resultar, para além do aspecto afectivo, um interessante intercâmbio cultural, científico e até económico, com evidentes benefícios para Portugal."No pátio, uma peça de Daniel Blaufuks iluminava o fim da tarde com a palavra escrita em hebraico e a correspondente tradução portuguesa: "Esperança".

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