Casa Alvão Cem anos a fotografar o Porto

Quem passa pelo número 120 da movimentada Rua de Santa Catarina, no Porto, dificilmente repara na placa que, ao lado do emblemático Café Majestic, indica que naquele local se alberga ainda, no primeiro andar, a Fotografia Alvão. Mas o estabelecimento fundado em 1902 pelo fotógrafo Domingos Alvão está lá, guardando um tesouro tão valioso, ou mais, como aquele que está encerrado entre as paredes do café que turista nenhum deixa por visitar. São milhares de fotografias com a assinatura do velho mestre, retratando décadas da história da cidade do Porto e as transformações que esta foi vivendo, mais os acrescentos daqueles que, como Álvaro Azevedo, continuaram a tarefa de captar a alma da cidade.Para comemorar o primeiro século de existência da Fotografia Alvão, a actual gerência da casa vai amanhã devolver à cidade uma parte desta memória. No Salão Nobre do Ateneu Comercial do Porto (Rua de Passos Manuel) é inaugurada, pelas 16h00, uma exposição de meia centena de imagens do espólio Alvão, retratando o Porto entre 1895 e 1950. A imagem mais antiga mostra ainda o Douro atravessado pela Ponte Pênsil; na mais recente, pode ver-se, ainda em construção, o Estádio das Antas, que esta semana cumpriu 50 anos de existência. Esta, todavia, é uma das poucas imagens cuja autoria não pertence ao fundador do estabelecimento, que faleceu em 1946.A receber os visitantes da mostra - entre os quais se contará o presidente da Câmara do Porto, Rui Rio -, haverá um conjunto de painéis formando uma imagem panorâmica do Porto dos anos 30, com 35 metros de comprimento. "Pensamos que é a primeira vez que se expõe um painel fotográfico deste tamanho", afirma Arnaldo Soares, actual proprietário da Fotografia Alvão. A imagem, explica, mostra as ribeiras do Porto e de Gaia, desde os antigos armazéns Andersen (actual Hard Club) até à Alfândega, seguindo no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio.E se nem todos os portuenses estarão dispostos a passar pelo Ateneu para ver a exposição, muito poucos serão aqueles que deixarão de reparar nos enormes painéis com cerca de vinte metros quadrados que vão cobrir as fachadas de alguns edifícios da Rua de Santa Catarina e de Passos Manuel, exibindo, também eles, algumas das históricas imagens de Domingos Alvão. Serão, ao todo, 350 metros quadrados de telas reproduzindo os usos, costumes e símbolos tripeiros, que, também amanhã à tarde, vão ser desvendadas por uma equipa de alpinistas. O programa do centenário completar-se-á com a edição de um livro com 71 imagens do espólio do estabelecimento, estas centradas no Porto do século XX."Quisemos fazer qualquer coisa de diferente para assinalar a data e, ao mesmo tempo, constribuir para chamar pessoas à Baixa", explica Arnaldo Soares, a quem o arrojo acabou por valer "alguns cabelos brancos". "A ideia original era encher a rua toda de painéis, mas é muito difícil. Uma grande parte dos lojistas já são estrangeiros e nem sequer falam connosco; daqui a dez anos, se calhar, somos os únicos portugueses de Santa Catarina", lamenta o proprietário da Fotografia Alvão.Será este, parece ser certo, o preço a pagar pela globalização pós-moderna. Ainda assim, e até ao próximo dia 15, os portuenses vão poder recordar (e ficar a saber) como era o Porto de outrora. Como se punha roupa a corar no alto das Fontainhas, como os seus arredores eram ainda território rural e com que afã se construíam, nas ruas da cidade, os carris por onde haviam de circular os carros eléctricos. Para o bem da memória colectiva da cidade, Alvão estava lá.Natural do Porto, Domingos Espírito Santo Alvão (1872-1946) começou por aprender fotografia no "atelier" de Emílio Biel, outro distinto fotógrafo portuense, este de origem alemã, trabalhando mais tarde com Leopoldo Cirne. A criação da Fotografia Alvão, situada ainda hoje na Rua de Santa Catarina, junto ao emblemático Café Majestic, principiou quando esteve a dirigir a Escola Prática de Photographia do Photo-Velo-Club, estabelecimento que antes ocupava aquele espaço da Baixa da cidade. Os trabalhos mais conhecidos do fotógrafo resultaram de uma encomenda feita pelo Instituto do Vinho do Porto, em 1933: um levantamento exaustivo do território duriense, do qual resultou um conjunto de fotografias belíssimas. Igualmente notáveis são as imagens que captou, em 1934, na Exposição Colonial Portuguesa, realizada no Palácio de Cristal, no Porto, e que Alvão fotografou em regime de exclusividade.

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