Senghor, o último dos "pais fundadores"

Com a morte de Léopold Sédar Senghor, Presidente do Senegal entre 1960 e 1980, desaparece o último dos "pais fundadores" dos Estados independentes africanos e também aquele que foi o primeiro africano membro da Academia Francesa.De etnia sérère, católico, nascido em 1906, Léopold Senghor teve, desde a infância, um percurso atípico para um africano da sua época, mesmo para um "filho de chefe". Depois de estudos primários e secundários no Senegal, Senghor vai para Paris, onde se diplomou, na Sorbonne, em línguas e culturas clássicas e se tornou, em 1935, o primeiro africano a obter o título de agregado das universidades (agregado em gramática). Professor do liceu e, mais tarde, na École Nationale de la France d'Outre-mer, Senghor, a par de uma fulgurante carreira como poeta e ensaísta da negritude, tornou-se ainda antes de finais da década de 40 num dos mais conhecidos estadistas africanos.Militante da SFIO de Léon Blum entre 1936 e 1946, Senghor foi, de 1945 a 1959, deputado pelo Senegal no Parlamento francês e, entre 1955 e 1959, duas vezes membro do Governo da França. Em 1945, Senghor conjuntamente com os africanos Félix Houphouet-Boigny, Lamine Guèye.Nos anos 50, Senghor, que no terreno senegalês se despia das vestes políticas parisienses e se tornava no político do "povo do mato" e no parceiro imprescindível dos marabouts das confrarias muçulmanas, tomou sucessivos protagonismos no interior do campo independentista das colónias francesas africanas, pautando a sua actuação por múltiplas posições contraditórias no interior do campo independentista: recusa integrar o Rassemblement Démocratique Africain (RDA) do maliano Modibo Keita e do costa-marfinense Houphouet-Boigny, que procurava federar todas as colónias francesas no seio de uma frente independentista para mais tarde federar, em 1957, o BDS com outros partidos da África Ocidental Francesa no seio da Convention Française e mesmo, mais tarde, fundir a sua UMS com a secção sudanesa do RDA; sai da SFIO por considerar que esta apoia o "assimilismo" de Lamine Guèye, para mais tarde participar na redacção da constituição da Comunidade Franco-Francesa e, ao contrário, por exemplo de Sekou Touré, pugnar pela manutenção, no quadro da comunidade, da associação dos estados africanos autónomos com a França.Eleito pela primeira vez Presidente do Senegal em 1960, será reeleito em 1963, 1968, 1973 e 1978.Durante os seus mandatos, o Senegal atravessará várias crises políticas, das quais Senghor frequentemente se desembaraçará recorrendo com "desenvoltura" a meios intimidatórios e repressivos e socorrendo-se, nas situações mais graves, do apoio político e mesmo militar da ex-metrópole, que, aliás, nunca deixou de ter representantes qualificados no séquito de Senghor - por exemplo, Jean Collin foi, nos anos 60, secretário-geral da Presidência da República e, na década de 70, ministro do Interior de Senghor.Dois casos ocorridos durante a década de 60 foram particularmente nocivos para a imagem de intelectual e político humanista de Senghor: em Dezembro de 1963, acusado de fomentar um golpe de Estado, nunca claramente estabelecido, Mamadou Dia - um velho companheiro de Senghor desde os tempos (1949) em que fundaram o partido antecessor do Partido Socialista Senegalês, o Bloco Democrático Senegalês - foi afastado do cargo de primeiro-ministro, preso e posteriormente condenado à pena de prisão perpétua, que cumpriu até ser amnistiado 11 anos mais tarde; em 1967, Moustapha Lô - um jovem marabout, iluminado religioso ou, como no julgamento foi insinuado, um assassino às ordens dos seguidores de Mamadou Dia - acusado de tentativa de assassinato de Senghor, na Grande Mesquita de Dakar, foi condenado à morte e executado. Anos mais tarde, em 1980, em entrevista, Senghor justificaria a sua recusa de concessão do perdão presidencial a Moustapha Lô: "Não o fizemos, porque, na prática, a pena de morte tem ainda um efeito dissuasor em África e tínhamos de escolher, na prática, entre as vidas dos criminosos e as das pessoas honestas."Léopold Senghor, que durante todo o seu consulado conseguiu evitar no Senegal os golpes militares tão comuns em África, não evitará, à semelhança dos seus pares, o resvalar da governação para o autoritarismo e o clientelismo e do jogo político para o (quase) monopartidarismo. Sobretudo entre 1963 e 1974, o PS de Senghor é o Estado, o Estado é o PS de Senghor. Por outro lado, mesmo tentando manter os assuntos do Estado no limite da laicidade, não conseguirá inverter a tendência colonial de "acomodação" clientelar com os grandes dignitários muçulmanos: durante o seu consulado, foi-se construindo insidiosamente o "estado dos marabouts" dentro do Estado do Senegal.Finalmente, no plano das relações africanas, os seus sucessivos mandatos foram marcados pela pouca simpatia com os movimentos de libertação africanos, nomeadamente o PAIGC da vizinha Guiné-Bissau - Senghor preferiu sempre a "moderada" FLING de Pinto Bull ao PAIGCV revolucionário de Amílcar Cabral, pela difícil gestão das relações com os países vizinhos e pela pouca "militância" do Senegal nas organizações exclusivamente pan-africanas ou regionais. No início de 1981, após a sua demissão voluntária de Presidente do Senegal, Senghor fixou-se em França e retomou com redobrado "glamour" a vida mundana e intelectual do "establishment" político-intelectual francês, sendo quase de imediato eleito para a Academia Francesa e "obrigado", ao mesmo tempo que compilava a sua obra poética e afinava os últimos ensaios sobre a negritude, a desdobrar-se em conferências e em cerimónias de doutoramento "honoris causa" e de entrega de prémios de consagração literária um pouco por todo o mundo. Nascido intelectual e politicamente em França, Léopold Senghor acabou os seus dias em Verson, na Normandia, recordado, apesar de ter sido verdadeiramente o "pai" da independência do Senegal, provavelmente mais como um "imortal" da Academia Francesa do que como um político africano. De facto, pesem embora os múltiplos ensaios sobre a negritude e a "africanidade" - Senghor gostava de chamar-se a si próprio "poeta da negritude" e de apelidar o programa político que aplicou no Senegal de "socialismo com as cores de África" - e o facto de ter sido um histórico homem de Estado africano, a postura intelectual e, em alguma medida, política de Léopold Senghor estiveram sempre mais próximas do quadro cultural europeu, vide francês, do que do africano seu contemporâneo. *Professor do ISCTE, autor de vários trabalhos sobre o Senegal, nomeadamente sobre as relações entre o Estado e os dignitários muçulmanos

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