A retirada dos quadros de António Pedro é "uma pulhice"

O historiador de arte José-Augusto França considera "um erro histórico" e "uma pulhice" a retirada dos quadros de António Pedro de uma exposição dedicada ao surrealismo em exibição na Fundação Cupertino de Miranda, em Vila Nova de Famalicão. Ao contrário do que estava previsto, a exposição "Surrealismo em Portugal 1934-1952", comissariada por Maria de Jesus Ávila e Perfecto E. Quadrado e produzida pelo Museu do Chiado e pelo Museu Estremenho e Ibero-Contemporâneo de Arte Contemporâneo (MEIAC), deixou de ser uma simples itinerância e viu o seu conteúdo alterado em Famalicão. Para além da exclusão das pinturas de António Pedro, a sua abordagem desviou-se do surrealismo histórico e passou a integrar antecessores do movimento e artistas que foram depois beber ensinamentos do movimento surrealista, como Paula Rego. Assim, em Famalicão, a exposição tem o comissariado apenas de Perfecto Quadrado, tendo as alterações sido justificadas publicamente durante a inauguração pelo director artístico da Fundação Cupertino de Miranda, Bernardo Pinto de Almeida. O Museu do Chiado e o MEIAC, através de comunicado, consideraram as alterações introduzidas na exposição "um ultraje" aos direitos de autor da comissária Maria de Jesus Ávila e esperam uma resposta do conselho de administração da fundação. Na origem da retirada das três obras de António Pedro - "Le crachat embelli" (1934), "Refoulement" (1936) e "Dança da Roda" (1936), obras que Maria de Jesus Ávila considera que são o primeiro confronto do público português com o surrealismo - está uma exigência do pintor e poeta Mário Cesariny, que recusou a convivência das suas obras com as do "fascista" António Pedro. Erro históricoÉ contra a exclusão das obras de António Pedro (1909-1966) que se insurgiu, em declarações ao PÚBLICO, José-Augusto França: "A exclusão de obras de António Pedro é um erro histórico que lamento ser assumido pelo professor Perfecto Quadrado. A exposição que vi em Lisboa pareceu-me bem organizada e com uma boa consciência histórica do fenómeno. Ignoro o que se passa actualmente na exposição organizada em Vila Nova de Famalicão." França acrescenta a seguir que, para além do erro histórico, "a exclusão de António Pedro é uma pulhice que tem os seus autores e os seus cúmplices", escusando-se a nomear pessoas. Interrogado sobre a questão de um surrealista poder ser um fascista, França nega essa possibilidade, esclarecendo que quando António Pedro começa a pintar abandona a política e a sua ligação ao nacional sindicalismo: "Um surrealista não pode ser um fascista e um fascista não pode ser um surrealista. Um neo-realista não pode ser um fascista ou surrealista ou vice-versa. O que se pode é passar de uma posição para a outra por razões de consciência, como aconteceu largamente em Portugal. António Pedro teve posições de integralismo e de fascismo, entre 1928 e 1934. Mas vai para Paris, exila-se, arreda-se da actividade política e começa a pintar. Não é uma incongruência, o Pedro mudou de pele." Mas França lembra que "a trapalhada ideológica na época era grande", citando o que escreveu no catálogo da retrospectiva que a Fundação Gulbenkian dedicou a António Pedro, em 1979. Aí, citava os escritos do artista no jornal "Revolução", em 1932, em que Pedro propunha a junção do fascio italiano de Mussolini e o martelo de Moscovo, "que hão-de juntar-se mais cedo ou mais tarde num símbolo único de revolução e de resgate". Mais tarde, diz França, António Pedro, juntamente com o próprio historiador de arte, liga-se ao aparecimento do socialismo em 1948. De facto, António Pedro é, com Francisco Rolão Preto, o fundador do nacional sindicalismo em Portugal, em 1932, "um movimento fascista típico", explica o historiador António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais. "Ele é o primeiro secretário e autor do programa político deste movimento, que está mais próximo do fascismo italiano e do nacional socialismo alemão do que de Salazar. Está à direita do salazarismo, propõe um regime mais totalitário", continua. O movimento acaba, aliás, por ser ilegalizado pelo Presidente do Conselho do Estado Novo em 1934 e "António Pedro chega a ser preso 15 dias por insultar Salazar, em 1934". Para Costa Pinto, Pedro é o típico jovem que faz a sua descoberta intelectual, tentando construir uma ideologia revolucionária de direita que, de certa maneira, é o espelho dos comunistas. "A ida para Paris fá-lo distanciar-se do nacional sindicalismo e o sector clandestino nota que ele se afasta. Vê-se na correspondência. Mantém-se anti-salazarista mas tem esta evolução da extrema-direita para a esquerda", continua o historiador.Depois de passar por Londres durante a II Guerra Mundial como jornalista da BBC, António Pedro propõe, em cartas aos amigos, a criação de um jornal democrático - "ele vai aderir à democracia durante a II Guerra Mundial". Contactado pelo PÚBLICO, o director do Museu do Chiado, Pedro Lapa, diz que continua à espera de uma resposta do conselho de administração da Fundação Cupertino de Miranda. Em Janeiro, no Ciclo de Belas-Artes de Madrid, Lapa diz que estará a exposição original e não o "híbrido" de Famalicão.

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