Seis idosos morreram num lar de Cascais

Seis pessoas, entre as quais o advogado Manuel João da Palma Carlos (ver página 21), morreram ontem de manhã, na sequência de um incêndio num lar de idosos ilegal que se encontrava instalado numa vivenda de Birre, perto de Cascais. Palma Carlos, em cujo quarto deflagrou o incêndio, morreu carbonizado. As outras cinco vítimas mortais sucumbiram por asfixia. Sem que alguém lhes valesse. No lar - onde não existiam extintores - encontrava-se apenas uma funcionária, que entrou em pânico. Os bombeiros foram chamados por um vizinho."Perderam-se vinte minutos preciosos", comentou um responsável dos bombeiros de Cascais quando, no local, alguém tentava reconstituir uma vez mais o que passara logo pela manhã: as chamas que irromperam às 07h50; a funcionária de turno que terá aberto a porta do quarto sinistrado antes de fugir, em pânico, para a rua; o fumo a espalhar-se pela vivenda, onde todas as janelas permaneceram implacavelmente encerradas. E, lá dentro, um grupo de idosos sem autonomia de movimentos. Disse o comandante dos bombeiros de Cascais, João Loureiro, que seria difícil escaparem ao fogo, uma vez que se encontravam todos acamados. O médico que lhes prestava assistência, Rui Viegas, afirmou, por seu lado, à Lusa, que apenas um dos nove idosos que estavam no lar se encontrava naquelas condições.Na pacata rua de Birre onde há cerca de dois anos abriu aquele lar, familiares das vítimas revoltam-se por uma morte "tão estúpida assim". Há também quem estremeça ao tentar imaginar os minutos que a precederam. Um deles fala da sogra, de 87 anos, que morreu asfixiada em conjunto com a hóspede com quem partilhava o quarto. A sogra já só se deslocava de cadeira de rodas. A outra senhora mantinha-se autónoma, mas deixara praticamente de ver.A mensalidade do lar rondava os 220 contos. Mas, por comparação ao que tinham visto, a escolha parecia acertada, referiu o genro, evocando o ambiente familiar propiciado pelo reduzido número de utentes, as instalações agradáveis, o jardim onde os idosos podiam permanecer. Conta agora que nem lhe passou pela cabeça apurar se o lar tinha ou não extintores. Era óbvio que lhe faltava uma rampa de acesso e que havia também uma rotação excessiva de pessoal. Sabia também que o lar, propriedade de Maomed Ismail Hassan, não se encontrava legalizado. "Mas que opção tínhamos? O que é que está, de facto, legal?", justificava-se ontem. Presente no local, Alexandre Sargento, vereador da Câmara de Cascais, recorda que no ano passado a autarquia contabilizou 50 lares de idosos privados no concelho. Destes, apenas dois estavam licenciados pela Segurança Social. Quer dizer que todos os outros eram ilegais. Da lista elaborada pela autarquia constava o lar de São Tomás, que Maomed Ismail Hassan abriu junto à Praça de Touros, em Cascais. Era a casa mãe. A vivenda de Birre funcionava como uma extensão desta. Sargento não se recorda se esta dependência estava identificada na lista que a autarquia enviou para a Segurança Social, que entretanto encerrou 12 dos lares ilegais. Ontem, depois do incêndio, as autoridades fecharam também o lar de São Tomás (ver caixa)."Vão ser feitas visitas surpresa que, sem complacência, mandarão encerrar todos os lares que não cumpram os trâmites legais", anunciou ontem, em Birre, Cristina Louro, responsável pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social, referindo-se à ofensiva que aquele organismo desencadeou, na segunda-feira, por todo o país. Segundo Cristina Louro, a ausência de extintores constatada no lar de Birre era suficiente para justificar o seu fecho imediato.Por seu lado, o secretário de Estado da Solidariedade Social, José Simões de Almeida, que também se deslocou a Birre, lembrou que, nos últimos seis anos, foram encerradas 200 destas instituições. O governante anunciou que mandou instaurar um inquérito para apurar as causas e responsabilidades do sinistro de Birre. A Polícia Judiciária foi chamada ao local. O incêndio deflagrou no quarto do advogado Palma Carlos, que o ocupava sozinho. Demorou cerca de uma hora a ser extinto e poderá ter sido causado por um cobertor que ardeu devido ao contacto prolongado com uma lâmpada. Era esta a primeira versão dos acontecimentos, que, no entanto, foi recebida com cepticismo por um dos responsáveis dos bombeiros presentes no local."Devastador", disse João Loureiro sobre o cenário com que se deparou no interior da vivenda. Aparências enganadoras. Vista do exterior, a casa, ou pelo menos grande parte dela, parecia sem mácula: nem vestígios do incêndio, nem até da função para que foi escolhida. O lar não estava identificado.

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