A QUINTA DA PRELADA

A "performance" gastronómica com que a Porto 2001 brindou recentemente cerca de uma centena de papa-jantares, e que, na opinião de um dos convivas citado pelo "Jornal de Notícias" da passada segunda-feira, "não foi um jantar barroco mas bacoco", tinha como pretexto apreciar algo relacionado com a passagem de Nicolau Nasoni pela cidade do Porto. Como parece que a única parcela da obra do célebre arquitecto toscano vislumbrada pelos comensais foi o pouco que resta do eixo do jardim da Quinta da Prelada, a dita "performance" serve-nos, por sua vez, de pretexto para recordar, ainda que de relance, aquele que, segundo Robert C. Smith, constituiu o "mais grandioso esquema teatral inventado por Nasoni em Portugal", precisamente a Quinta da Prelada.Construída no século XVIII, por iniciativa da família Noronha e Meneses, a Casa e a Quinta da Prelada representaram na obra de Nasoni, ainda de acordo com o seu maior estudioso, "o esforço supremo do artista para demonstrar, no Porto, o ideal básico da jardinagem italiana e francesa, no qual a casa, no meio de um grande eixo central, domina obeliscos, jardins, cascatas, pirâmides, labirintos e um grande lago". No entanto, não é possível saber hoje em dia qual a data exacta da construção da Casa e da Quinta da Prelada, em virtude de o arquivo da família ter desaparecido após D. Francisco Noronha e Meneses - o seu último descendente, que faleceu em 1904 sem filhos - ter doado a quase totalidade dos seus bens à Misericórdia do Porto. Colmatando esta lacuna, Robert Smith sugere que o início da sua construção deverá ter-se iniciado entre 1743 e 1748, uma vez que a Casa da Prelada apresenta grandes semelhanças com outras residências construídas por Nasoni na mesma zona da cidade, nomeadamente no desenho do grande eixo central, assim como na utilização de emblemas heráldicos, que se salientam em diversas partes do conjunto.Aquela que era considerada a "primeira entrada" de todo o conjunto arquitectado por Nasoni situava-se no sítio do Carvalhido - correspondendo, ainda que não exactamente, ao primeiro troço da actual Rua [da Prelada] dos Castelos -, com 237 metros de extensão, onde se localizavam os dois obeliscos (na foto), ou "pirâmides de figura triangular", de 12,6 metros de altura, consideradas por Robert C. Smith como "um dos desenhos mais finos de toda a obra de Nasoni", as quais foram mais tarde trasladadas para o Jardim do Passeio Alegre, na Foz do Douro, onde ainda se encontram. Após um pequeno desvio em direcção a norte, os visitantes deparavam com a "segunda entrada", preenchida por uma alameda de 214 metros, terminando num largo terreiro em forma de meia lua, o qual "servia de vestíbulo perante a portada de entrada", como salienta o historiador de arte norte-americano.Um dos aspectos mais significativos que a Casa da Prelada apresenta - ainda que, segundo Robert C. Smith, a mesma não seja inteiramente da autoria de Nasoni - consiste na grande riqueza escultórica com que aquele arquitecto pretendeu distinguir os Noronha e Meneses. A este propósito, Smith realça as janelas do andar nobre, "enriquecidas de varandas", os remates que aquelas apresentam nos respectivos frontões, embora considere que "os dois elementos mais significativos das fachadas são a preocupação com a heráldica e o desenho da torre do lago". Não é possível também deixar de referir a torre da casa, igualmente rica de pormenores escultóricos, o que terá inflacionado o custo da sua construção, razão pela qual Robert C. Smith considera que a despesa decorrente daqueles requintes terá sido a responsável pelo impedimento da "execução do resto do rico desenho, impondo gastos excessivos mesmo para a fortuna dos fidalgos da Prelada".Com a construção do lago redondo, e em particular da sua torre de formato circular - um elemento que realça o aspecto cenográfico do conjunto -, Nasoni pretendeu uma vez mais celebrar a nobreza da família Noronha e Meneses - consubstanciada no respectivo brasão de família -, um pequeno mas bem proporcionado edifício, de 13,71 metros de altura, com dois andares constituídos por dois cilindros concêntricos, dispondo de uma escada em caracol no seu interior. Ainda segundo Robert C. Smith, "o uso de ameias e de janelas de topo triangular dá-lhe inegável carácter gótico, suficiente, com efeito, para designar esta torre edificada antes de 1758 como o primeiro monumento de estilo neogótico em Portugal". No extremo oriental do terraço do lago inicia-se a última da zona do vasto conjunto, uma nova alameda de 312 metros de comprimento, "que, com pequeno desvio, liga duas monumentais portadas, a primeira notável pelas suas fantásticas janelas em forma de U e a segunda pela sua planta côncava", conforme a descrição de Smith. Todo este conjunto, que é percorrido por um itinerário de terreiros, entradas e alamedas, numa extensão de 1383 metros, levou aquele autor a afirmar taxativamente que "no desenvolvimento deste imenso aparato Nasoni teve uma rara oportunidade de realizar o sonho de grandeza inerente em cada aspecto da arte italiana de Setecentos", concluindo que "esta oportunidade, só em si, justificou a sua vinda para Portugal".

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