O Japão não quer ter filhos

Os especialistas mundiais em demografia não sabem bem o que vai acontecer. A razão é simples: não há precedentes. Até ao ano 2050, o Japão vai perder quase 40 milhões de habitantes, praticamente um terço da população actual. E será um país de velhos e de muito velhos. As consequências são imprevisíveis. As razões, essas, são conhecidas. Passam por uma reviravolta nos costumes mas, em especial, na consciência e no comportamento das mulheres. Como se pode ver nas seguintes quatro cenas da sociedade japonesa, "revolução" não é uma palavra descabida.

O que acontece a uma sociedade próspera e pacífica cujas mulheres decidem em massa que têm coisas melhores a fazer do que ter bebés? Ninguém sabe. Nunca aconteceu. Mas o Japão está prestes a descobrir. As mulheres jovens do país têm à sua disposição um arsenal sem precedentes de liberdades pessoais e profissionais, mas as alegrias das crianças e da vida familiar ainda estão ligadas a constrangimentos tradicionais. O resultado das decisões individuais de milhões de mulheres é uma greve colectiva a ter bebés. Para Sakiko Ono, uma designer gráfica de 34 anos, uma criança poderia arruinar a sua já longa relação amorosa com o marido. Para Mio Masada, uma endocrinologista de 31 anos, um segundo bebé acabaria com qualquer esperança de uma carreira prestigiosa. A professora de piano Sachie Takamori e o marido gostariam imenso de ter um segundo filho, mas a sua luta diária com as carreiras, o tempo que levam para chegar aos empregos e as obrigações familiares mal lhes deixam tempo e dinheiro para criar um.E por tudo isso a taxa de nascimentos cai. Dentro de seis anos, a população da segunda maior economia do mundo e do nono país mais populoso do planeta começará a encolher.Mesmo de acordo com a previsão cor-de-rosa do governo, o Japão terá menos 14 por cento de cidadãos em 2050. Um terço da população terá mais de 65 anos e com mais de 80 anos haverá mais de 15 por cento. E isto partindo do princípio de que as mulheres japonesas começarão eventualmente a casar e a ter crianças.Mas muitos analistas privados consideram mais realista a perspectiva de que a taxa de nascimentos continuará a ser baixa. Descontando a imigração e assumindo que a fertilidade não sofrerá alteração, a população japonesa cairá 31 por cento - de 127 milhões para 88 milhões.Os ambientalistas afirmam que o declínio da população numa nação sobrepovoada e dependente das importações, como é o Japão, acabará por ser uma bênção, numa fase em que a população mundial deve disparar dos actuais 6.100 milhões para 9.300 milhões no ano 2050.Mas os economistas previnem que a falta de bebés pode atirar o Japão para um estado de recessão semi-permanente. A relação crescente entre reformados e trabalhadores colocará grandes desafios aos sistemas de pensões, de saúde e de segurança social, às práticas laborais, à Bolsa, talvez até à viabilidade do sistema financeiro.Durante mais de uma década, os políticos procuraram sucessivamente empurrar, cortejar e finalmente subornar as mulheres para ter bebés. Mas enquanto os homens não puderem ou não quiserem ajudar a criar os filhos e forem penalizados se puserem a família à frente do trabalho, as mulheres dirão que não podem ter carreiras e crianças.O Japão não está só perante estes difíceis novos problemas sociais e económicos. O fenómeno vai afectar a maior parte das principais nações industrializadas.Nos Estados Unidos, as taxas de fertilidade devem descer abaixo do chamado nível de substituição nos próximos 50 anos, mas a imigração e um grande número de cidadãos em idade de procriar manterão a população em crescimento constante.No entanto, de acordo com projecções da Divisão de População das Nações Unidas, em meados do século 39 países terão populações mais pequenas do que hoje. Até 2050, por exemplo, Rússia, Geórgia, Ucrânia, Bulgária, Itália, Hungria, Estónia, Letónia e Cuba devem todas perder um quarto, ou mais, das suas populações.De facto, enquanto as populações das nações menos desenvolvidas continuam a aumentar, 64 países desenvolvidos têm agora taxas de nascimento inferiores a 2,1 crianças por mulher - o limiar para manter uma população estável."As taxas de nascimento nunca antes caíram tanto, tão depressa, tão baixo, durante tanto tempo, em todo o mundo" - afirma o demógrafo norte-americano Ben Wattenberg. "Estamos em território inexplorado.""A queda na taxa de natalidade e o envelhecimento da sociedade são terríveis para o futuro do Japão", diz Ryoichi Suzuki, especialista japonês em planeamento familiar. "Mas de nada servirá o governo dizer às mulheres para ter filhos se essa não for a escolha das próprias mulheres."E, cada vez mais, o casamento - e em especial o criar crianças - é um mau negócio. Os custos financeiros, sociais e pessoais da maternidade são muito mais penalizadores para as mulheres japonesas do que para as muito mais reivindicativas europeias ou norte-americanas.Fotografias Shima Hayase©PÚBLICO/Los Angeles Times

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