Torne-se perito

Pequenos bloqueiam cimeira

Qual deve ser o peso de cada país no processo de decisão comunitário? Esta foi a questão que provocou ontem à noite o bloqueio dos trabalhos dos lideres da União Europeia sobre a reforma das instituições comunitárias. As negociações vão ser retomadas esta manhã, no quarto dia da cimeira de Nice, com o despertar de alguns cenários que já pareciam afastados. Em contrapartida, a questão da dimensão da Comissão Europeia estava praticamente assente, o mesmo acontecendo com as cooperações reforçadas. Portugal arriscou numa radicalização cujos resultados apenas vão ser avaliados no minuto final da cimeira.

Os líderes da União Europeia (UE) interromperam ontem à noite as negociações para a reforma das instituições comunitárias, devido à impossibilidade de chegarem a acordo sobre a definição do número de votos a que cada país vai passar a ter direito.Este impasse, que se prolongou ao longo de todo o dia de ontem, levou a presidência francesa da UE a suspender os trabalhos e a marcar para hoje, o quarto dia da cimeira de Nice, o recomeço das discussões, possivelmente com base numa nova proposta de compromisso. "É a maior confusão, está toda a gente a negociar nos corredores", queixou-se um responsável comunitário.As negociações sobre as instituições, que só ontem arrancaram realmente, foram dominadas ao longo de todo o dia por um intenso braço de ferro entre os grandes e os pequenos países sobre a definição do seu peso e influência na Europa alargada a doze países de Leste.O tema dos votos no conselho de ministros comunitário revelou-se, como previsto, o mais difícil, devido à pretensão dos grandes países de verem o seu peso reforçado para travar a erosão de que foram vítimas devido aos quatro alargamentos sucessivos da UE.Esta pretensão esbarrou durante todo o dia numa frente dos dez pequenos países que, de forma concertada, apresentaram uma série de alternativas à proposta de compromisso que a presidência francesa da UE pusera em cima da mesa logo de manhã.Esta proposta previa um reforço muito considerável do peso dos grandes países - através de uma forte reponderação dos seus votos no conselho - a par de algumas incoerências no que se refere aos mais pequenos (ver caixa). Para os menos populosos, esta proposta respondia apenas às reivindicações dos grandes países, e, muito especialmente, da Espanha. Segundo Jaime Gama, ministro dos Negócios Estrangeiros, este texto "contemplava de forma interessante os interesses de alguns estados, os maiores, mas não exprimia o equilíbrio e os pontos de vista dos restantes".Esta proposta motivou os protestos do primeiro-ministro português, António Guterres, que chegou mesmo a falar de "golpe de estado institucional", apoiado pelos seus homólogos da Austria e Holanda, a par da Comissão Europeia. Apenas José Maria Aznar, primeiro-ministro espanhol, agradeceu "os esforços da presidência francesa", face a uma proposta que respondia a praticamente todas as suas (elevadas) exigências. Mas, mesmo assim, Aznar afirmou-se, oficialmente, ainda insatisfeito. As discussões que se seguiram ao longo do dia foram marcadas pela sucessão de propostas e contra-propostas, inauguradas por Portugal, ao qual sucedeu a Finlândia. Segundo o negociador português, Seixas da Costa, secretário de Estado dos Assuntos Europeus, a delegação portuguesa promoveu uma reunião dos dez países mais pequenos "para testar algumas formas de articulação para termos a certeza de que não há entre nós dissonâncias".Estes países preparavam-se, inclusivamente, para relançar para a mesa o cenário da sua preferência, mais conhecido por "dupla maioria simples" e que assenta na substituição do actual sistema de votos ponderados atribuidos a cada país segundo a sua dimensão, por um modelo de um "um país, um voto".Esta modalidade garantiria que as decisões por maioria qualificada teriam de reunir a maioria simples de países, em conjunto com a maioria da população comunitária. Mas, face às objecções essencialmente da França, os pequenos países aceitaram nos últimos dias retirar este modelo das discussões em favor de uma "reponderação moderada". Mas, segundo Seixas da Costa,o modelo regressará esta manhã à mesa caso as novas propostas que a presidência francesa irá apresentar continuem a ser inaceitáveis.Em contrapartida, apesar do bloqueio das discussões sobre a questão dos votos, os Quinze estavam ontem à noite muito próximos de um acordo sobre as outras vertentes da reforma: a dimensão da Comissão Europeia e a instituição da maioria qualificada numa série de áreas de competência comunitária. Nesta última vertente, os progressos são muito tímidos, mas deverão permitir aos Quinze salvar a face numa reforma que tem como principal objectivo tornar o processo de decisão mais eficaz. Este objectivo pressupõe, nomeadamente, a abolição do direito de veto que a actual regra da unanimidade confere a todos os países, sem o que a UE corre um risco permanente de bloqueio quando o número dos seus membros for quase o dobro.Já no que se refere à Comissão Europeia, o consenso dos líderes garante um comissário por país até ao momento em que os doze candidatos do Leste que estão a negociar a adesão se tenham tornado membros efectivos. Nessa altura, os governos tomarão uma decisão sobre o número definitivo de comissários que, segundo a proposta da presidência "será, de todos os modos, inferior a 27", garantindo o acesso de todos ao executivo europeu através de um mecanismo de rotação igualitária.A confirmar-se, este acordo responde às reivindicações dos pequenos países, que se bateram pela manutenção do princípio de "um comissário por estado membro" durante o máximo de tempo possível. Em contrapartida, deita por terra a pretensão dos de maior dimensão no sentido de definir desde já o princípio da limitação da Comissão a vinte membros (de modo a preservar a sua natureza colegial numa UE alargada). Estes países, que pretendiam levar a cimeira de Nice a fixar desde já a data de 2010 para a passagem ao formato reduzido, tiveram assim de se contentar com a promessa de que num futuro incerto, os governos tomarão uma decisão sobre o número dos comissários.

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