Doce fazer nada

O Verão convida ao "chill-out". Não fazer nada, espreguiçar, ouvir música relaxante e envolvente. Ritmos lânguidos, melodias em espiral, atmosferas melancólicas, vozes quentes. Como na música dos Air, Kruder & Dorfmeister, Fila Brazillia, Groove Armada ou Thievery Corporation. Dançar na horizontal faz pleno sentido. Principalmente em Agosto.

"Chill out". O conceito foi inventado pelos ingleses em plena euforia acid house no final dos anos 80. Em alternativa às sonoridades de forma mais óbvia conotadas com as pistas de dança como a house, o techno ou o trance. Depois da euforia da dança, procurava-se momentos de tranquilidade, de sossego. Em casa com os amigos, nos espaços alternativos dos clubes ou nas "raves" em pleno campo, as sonoridades "chill-out" impunham-se como espaço de relaxamento. Como já alguém disse, "chilling" é algo de muito pessoal. É deixar um espaço em aberto no cérebro por onde os pensamentos possam respirar um pouco. É saber escolher a banda sonora perfeita para cada momento. A partir da segunda metade dos anos 90 a ideia deixou de vingar. O drum 'n' bass, o big beat e os inúmeros derivativos do hip-hop impuseram-se e os espaços "chill-out", concebidos para a prática da preguiça, passaram a ser apenas mais uma zona de dança. Por outro lado, figuras outrora tidas como "gurus" do género enveredaram por caminhos diversos. A electrónica ambiental dos Orb, KLF ou Mixmaster Morris começou a soar redundante. Outros, como Scanner ou alguns dos projectos da Warp, começaram a dedicar o seu tempo a divagações experimentais. A luminosidade, o espírito lúdico, o desejo de evasão, perderam-se. No entanto, a tendência tem vindo a mudar. De tal forma que a maior parte dos grandes clubes londrinos (Fabric, Passion ou Garlands) não dispensa nos dias que correm salas de "chill-out". Os grandes beneficiados desta tendência são grupos como os Air, Fila Brazillia, Groove Armada, Thievery Corporation ou Kruder & Dorfmeister, de repente catapultados para a primeira divisão da música urbana, com vendas surpreendentes. Por outro lado as compilações mais comerciais que tentam explorar o fenómeno - "Café Del Mar" ou "Real Ibiza" - conseguem vendas na orderm das 200.000 mil unidades, o que não deixa de ser significativo. Em Ibiza, em pleno Verão, no Café Del Mar ou no adjacente Café Mambo, os finais de tarde são muito especiais. Sentados nas esplanadas ou na praia em frente, hordas de ingleses pouco habituados a olhar o sol batem palmas quando este se apresta a desaparecer no horizonte. Pelas colunas são debitadas sonoridades envolventes e graciosas que tanto podem ser retiradas de um qualquer disco antigo de Miles Davis ou dos últimos maxi-singles de novos projectos como os Gotan Project, Spacek ou Zero 7. O "espírito balearic", como ficou conhecido o sentido eclético evidenciado por alguns DJ da ilha - com José Padilla na dianteira -, continua a vingar. Agora, mais do nunca. Há dez anos a ideia de "chill-out" estava conotada com a música ambiental. Agora, o conceito diversificou-se de tal forma que quase tudo pode ser "chill-out". A diversidade começou a sentir-se a partir do nascimento de tipologias como o trip-hop. Álbuns como "Blue Lines" dos Massive Attack, "Smokers' Delight" dos Nightmares On Wax ou compilações como "Headz" da editora Mo' Wax transformaram-se em discos de referência. A redescoberta do easy listening, da "música lounge", do reggae/dub, da bossa nova brasileira, do jazz, da pop francesa dos anos 60, das bandas sonoras de filmes ou da soul-funk dos anos 70 permitiu também o alargar de horizontes. Para além de ter transformado figuras do passado como Burt Bacharach, Martin Denny, Lee Perry, King Tubby, Tom Jobim, Miles Davis, John Coltrane, Serge Gainsbourg, Françoise Hardy, Ennio Morricone, Bernard Hermann ou Marvin Gaye em ícones do presente. Mas não é só em Inglaterra que as sonoridades cúmplices do "chill-out" se encontram em alta através dos Fila Brazillia, Groove Armada, The Amalgamation Of Soundz ou Deadbeats. Em França, na Áustria, no Japão ou na Alemanha está a suceder o mesmo através de nomes como os Air, Kid Loco, The Money Penny Project, A Reminiscent Drive, Bang Bang, Bertrand Burgalat, Kruder & Dorfmeister, Tosca, Peace Orchestra, Uptight Productions, dZhian & Kamien, Millenia Nova, Jazzanova, Thievery Corporation, Utsumi, Jazztronik ou Soulmate. Em Portugal, alguns dos projectos das editoras Nylon e Kami' Khazz, bem como o recente lançamento do álbum "Simple" de Deep In deixam também as portas abertas ao "chill-out". É entrar, sentar e relaxar.

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