Nova cidade nasce em Leça

A freguesia de Leça da Palmeira vai receber sete mil novos habitantes, quando estiver concretizado todo o plano de urbanização dos terrenos que pertenceram à antiga metalúrgica Facar. A elevada taxa de ocupação do solo naquele quarteirão foi contestada politicamente, mas a câmara nada podia fazer, uma vez que o processo de loteamento tinha sido aprovado numa altura em que não havia PDM. Mesmo assim, conseguiu reduzir 30 mil metros quadrados ao total da construção prevista. "Foi a evolução para uma tese de mal menor", diz o presidente da câmara.

Já mexem no terreno as obras de construção de duas torres de 21 andares com 300 habitações de qualidade em Leça da Palmeira, na zona sul da freguesia, junto à Exponor e ao Itinerário Complementar n.º 1 (IC1). Baptizado com o sugestivo nome de "Entre-Quintas" - aproveitando o facto de os prédios em construção se situarem precisamente nas "traseiras" da Quinta de Santiago e confrontarem com a rua que liga à vizinha Quinta da Conceição - este empreendimento imobiliário pertencente à empresa Imoloc é apenas uma das peças de um novo e denso pedaço de cidade que vai nascer naquela freguesia de Matosinhos, onde outrora existiu uma das maiores unidades metalúrgicas do país: a fábrica Facar.A Imoloc foi a empresa que se antecipou na ocupação de uma vasta área actualmente na posse do Banco Comercial Português, na sequência do processo de falência da metalurgia Facar. Com efeito, quando estiver concretizado o plano de urbanização daquela zona (ver planta) - um enorme quarteirão que se estende entre as Ruas de Entrequintas, Vila Franca, Camposinhos e Óscar da Silva -, estarão construídas quatro outras torres de mais de vinte pisos, e um conjunto de prédios a distribuir por um total de vinte lotes e cuja altura pode variar entre os dez andares (autorizados para dez lotes), cinco e seis pisos. O plano prevê que três dos lotes sejam ocupados com espaços comerciais de rés-do-chão e um andar e que em dois lotes se construam hotéis. No total, são 199 mil metros quadrados de construção, 85 por cento dos quais destinados a habitação, 10 por cento para comércio e cinco por cento reservados a equipamentos. De acordo com a proposta de loteamento, as áreas destinadas a espaços verdes e de utilização colectiva atingem os 45 mil metros quadrados. Quer isto dizer que, à medida que os lotes começarem a ser ocupados, vai crescer uma "minicidade" com capacidade para acolher uma população aproximada de sete mil novos habitantes.Foi precisamente a previsão deste aumento exponencial de habitantes numa freguesia que começa a apresentar já alguns indícios de excessiva construção - com as inerentes dificuldades de escoamento e circulação de tráfego - que desencadeou a contestação política ao loteamento, a partir do momento em que o executivo foi instado a pronunciar-se quanto a um pedido de aditamento ao alvará de loteamento que a câmara tinha concedido à empresa Facar em 1992.Este caso remonta a 1991, altura em que a concretização de um loteamento para construção foi entendida pelos proprietários da metalúrgica como a única alternativa para viabilizar a sobrevivência da empresa Facar. Assim, nessa altura foi apresentada uma proposta de loteamento, que previa 224.599 metros quadrados de construção e que foi aprovada por unanimidade pelo executivo, dando origem ao alvará número 533/92, de Maio desse ano. "Desde os finais dos anos 80 que a câmara vinha sofrendo uma enormíssima pressão por parte da Facar, e principalmente da comissão de trabalhadores, no sentido de ser viabilizada uma solução que fosse o garante da própria instalação industrial e que permitisse injectar dinheiro na empresa", explica o presidente da câmara, Manuel Seabra. Segundo o alvará então emitido - e que tramitou nos serviços antes de estar concluído e publicado o Plano Director Municipal (PDM) de Matosinhos -, a Facar ficou autorizada para todo o sempre a construir 225 mil metros quadrados acima do solo, em percentagens que previam uma maior concentração de escritórios e zonas de comércio. Acontece que o processo de falência da empresa congelou todos estes planos, até que o seu principal credor (na altura, o Banco Português do Atlântico) tomou conta deste património.Mais tarde, em 1997, a empresa Nova Facar, criada pela instituição bancária credora da metalúrgica, requereu à autarquia uma alteração ao loteamento. "A Nova Facar perguntou-nos: 'É possível transferirmos uma parte da construção afectada para serviços para habitação?'", relata Seabra. A resposta não foi imediata, porque, para além das questões jurídicas que era preciso contornar, o município quis negociar uma solução que permitisse baixar a elevada carga de ocupação sobre o terreno, diminuindo o volume de construção. "Nós valemo-nos de um pedido de alteração para impor uma redução das cargas e volumes aprovados para o terreno", refere o autarca, que, na altura, conduziu este processo enquanto vereador do Urbanismo."Foi a evolução para uma tese de mal menor", considera agora Seabra, que conseguiu ver retirados do loteamento inicial 30 mil metros quadrados de construção. "Politicamente, entendemos que isto só tinha vantagens, porque implicava que, de uma aprovação anterior de uma carga significativa, passámos para uma carga significativa, mas menor". Se a câmara não autorizasse esta modificação, só teria dois caminhos: ou deixava construir a primeira versão (ver planta) ou teria que indemnizar a Nova Facar "em valores exorbitantíssimos".Frisando que uma ocupação deste género não seria, em caso algum, aprovada pela autarquia à luz da actual política de urbanismo e ordenamento do município, o presidente da câmara diz que a nova solução representa um "esforço de baixar muitos metros quadrados de construção" - ainda que, esporadicamente, a edificação se concentre em altura - para libertar uma parte significativa do terreno para a utilização colectiva. "Ganhámos duas enormes praças e vias desafogadas", esclarece. "A nova situação tem melhor desenho e é inegavelmente mais qualificadora da malha urbana", considera, reconhecendo, embora, que há um "eventual prejuízo para a cidade, só que menor do que aquele que o primeiro loteamento representaria".A avaliar pelo interesse que a publicidade ao empreendimento "Entre-Quintas" tem suscitado - as informações recolhidas pelo PÚBLICO apontam para um bom índice de vendas, ainda que não esgotado - a zona não tardará a ser "invadida" por outros edifícios. No caso do empreendimento em apreço, quem quiser viver à beira-mar terá que despender entre 20 mil e 50 mil contos, dependendo do andar e, claro, da tipologia do apartamento. E terá que esperar até finais de 2003 para usufruir da sua casa nova. Garantido é que quem optar pelos últimos andares, obviamente os mais caros, terá vistas pelo mar dentro...

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