"Sem medidas de fundo, não vale a pena investir na floresta"

O secretário de Estado que tutela a política florestal, Vítor Barros, reconhece "atrasos" e "paragens" na prometida reforma legislativa, mas promete novo vigor para os próximos quatro anos.

A grande reforma legislativa da política florestal não andou à velocidade prometida pelo último governo. O secretário de Estado do Desenvolvimento Rural, Vítor Barros, reconhece as falhas políticas e fala dos perigos que ameaçam o desenvolvimento da floresta: dos projectos financiados que "não estão" no sítio, das pressões imobiliárias sobre espécies protegidas, das dificuldades em pôr em marcha um sector espartilhado pelo individualismo do minifúndio. Mas há optimismo: nos próximos anos a floresta poderá crescer até 400 mil hectares.Na anterior legislatura a floresta foi considerada um dos projectos mobilizadores nacionais. Com que consequência prática?A floresta era uma prioridade e foi-o, tanto que o Governo anterior tinha uma programação financeira para o PDF (Programa de Desenvolvimento Florestal) e para o Regulamento 2080 [florestação de terras agrícolas] que chegava aos 49,3 milhões de contos e nós, no âmbito do quadro comunitário de apoio que agora finda, aprovámos mais de 12 mil projectos que implicaram um investimento de 56,4 milhões de contos. Ou seja, foram mais sete milhões de contos para o sector.Tiraram meios a outros sectores agrícolas para os afectar à floresta?Exactamente. E, com isso, só ao nível da florestação, passou-se de uma média de 27.500 hectares no triénio de 1992 a 1995 para 39.400 hectares por ano entre 1996 e 1998. Ou seja, mais 11 mil hectares por ano, o que é obra.Quais as vossas projecções de crescimento de área florestal no âmbito dos investimentos do próximo QCA?No caso da florestação de terras agrícolas, no âmbito do Regulamento 2080, estávamos a pensar uma média anual de 20 mil a 30 mil hectares, o que no final do QCA, em 2006, aponta para a ordem dos 200 mil hectares. Mais do que isto é capaz de ser complicado, e se atingíssemos esta meta era muito bom. No caso do Programa de Desenvolvimento Florestal, entre florestação e reflorestação apontamos para a mesma área, entre 180 mil e 200 mil hectares.Bem, eu não queria chegar a uma meta tão definida. Um dos problemas nacionais que temos de resolver é que, dos 400 mil produtores florestais nacionais, cerca de 85 por cento exploram uma área até três hectares. Ou nós fazemos qualquer coisa de fundo, através de um movimento associativo forte para garantirmos a gestão activa deste património, ou então não sei se vale a pena andar a investir na floresta.Quais os investimentos previstos para a floresta no próximo QCA?Ainda não está completamente definido. Mas para a despesa pública, que ascende a 600 milhões de contos no âmbito do programa operacional da agricultura, deve passar dos cem milhões de contos. Mas insisto: no momento em que vivemos, o mais importante de tudo é criar condições para termos uma boa floresta. Sem isso andaremos a plantar para depois ver arder.Acredita na possibilidade de nos próximos anos se ultrapassar os desequilíbrios da fileira do pinho?Penso que sim. Queremos aumentar a área de pinho e sobretudo aumentar a sua produtividade. Estamos com uma produtividade muito baixa, à volta dos quatro, cinco metros cúbicos por hectare/ano, quando podemos chegar até aos 10/11 metros cúbicos. O pinho, em conjunto com a cortiça e algumas folhosas que produzem madeiras de qualidade, é uma das fileiras estratégicas.A intervenção pública será menor porque esta fileira está muito integrada e as ajudas ao investimento são menores - no próximo quadro deverão ser cerca de metade das atribuídas às outras espécies. O problema do eucaliptal não é tanto o de aumentar a área (já estamos com cerca de 700 mil hectares, que é uma área muito grande), mas o de aumentar a produtividade dos povoamentos existentes. É uma fileira central para as nossas exportações.O anterior Governo chegou a falar na necessidade de se avaliar o sucesso dos investimentos na floresta para saber quantos projectos financiados foram para a frente e quantos ficaram ao abandono depois de serem recebidos os subsídios a fundo perdido. Será útil fazer este balanço?Acho que sim. Agora, na preparação dos projectos, pomos muito a tónica na qualidade. Queremos premiar a qualidade e fazer uma avaliação rigorosa do que se está a fazer. No caso do Regulamento 2080, como há prémios por perda de rendimento motivada pelo abandono de culturas, vamos dá-los de cinco em cinco anos. Se o projecto "está lá", se tem as árvores todas, se o terreno é tratado e as árvores estão a crescer naturalmente, vamos continuar a dar prémios, senão... Sabemos que em muitos lados há projectos que se calhar nem estão lá. No caso da florestação dos terrenos agrícolas, que desviou já entre 120 mil e 140 mil hectares de maus solos para a floresta, sabemos que a maioria dos projectos estão lá, mas numa área tão grande...Porque é que a reforma legislativa do sector florestal, nomeadamente a lei de bases, andou tão devagar?Aceito em parte a crítica implícita na pergunta, mas de qualquer modo houve um esforço muito grande da nossa parte. Publicámos uma nova lei para a protecção dos montados de sobro, em 1997, depois apresentámos um plano para o desenvolvimento sustentável da floresta e já este ano regulamentámos os planos de gestão florestal (PGF) e os planos regionais de ordenamento florestal (PROF). Há aqui algum atraso, mas as coisas estão-se a fazer. Há outras coisas que não estão prontas mas para as quais já há textos de base que se encontram em discussão interna. Estou-me a lembrar das questões dos seguros, do fundo financeiro florestal, de matérias relacionadas com a fiscalidade.Não. A legislação atrasou-se e este ano fizemos um grande esforço - estou com esta tutela há um ano e herdei a situação que herdei - para pôr a andar uma série de coisas que estavam "bloqueadas". Os PROF ou os PGF estavam parados.Não sei bem dizer. Mudou o Governo, mudou a direcção-geral, houve aqui vários factores para que as coisas tivessem parado um pouco. Felizmente essa legislação está toda cá fora, e não há nenhum PROF mas vêm alguns a caminho.Não receia conflitos quando, por exemplo, for discutido o PROF da margem sul do Tejo, uma zona onde os montados de sobro estão a ser cobiçados pelo imobiliário?É uma zona onde se sente muita pressão, que nos tem causado alguns problemas, principalmente depois da nova ponte. Em zonas como esta há absoluta necessidade de algum ordenamento, que não passa só pela floresta. Há aí uma grande competição pelo uso do solo e há que saber qual é a legitimidade que uma pessoa tem para não deixar um proprietário utilizar o solo para uma actividade que lhe dá muito mais-valias do que a floresta. Alguns dos PROF com mais urgência deviam de facto ser os das zonas periurbanas, sobretudo a margem sul do Tejo.

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