Urmeira à espera de melhores dias

Os habitantes dos bairros da Urmeira estão descontentes. Têm as casas com os colectores de esgotos entupidos e a chuva cai lá dentro. O pior é que, dizem, as suas queixas são ignoradas. O proprietário, o Governo Civil de Lisboa, diz que não tem meios para actuar devidamente, refuta as acusações e garante que a situação já foi pior.

"Não há condições, não há mesmo", repete, com um ar desolado e olhos no vazio, Carlos Manuel, 43 anos, sentado à porta de casa, quando se lhe pergunta como é viver no Bairro de Santo António, na zona da Urmeira, freguesia da Pontinha, concelho de Odivelas. O conjunto habitacional é propriedade, tal como os bairros de São José, Capela, Mário Madeira e Menino de Deus, do Governo Civil de Lisboa, que detém vários hectares de terreno na área.Apesar de reconhecer as dificuldades existentes, a autoridade diz que não tem meios para levar a cabo a conservação e manutenção urbanística dos núcleos populacionais, ocupados maioritariamente por pessoas com baixos recursos económicos, sem dinheiro para fazer obras de restauro das casas. Várias habitações apresentam sinais de pré-ruína, com os tectos podres, telhas partidas, infiltrações, caixas de esgoto entupidas e colectores decrépitos.Muitos estão ali há mais de três décadas em regime provisório, esperando em vão a atribuição de uma nova casa. Alguns vieram de bairros de barracas entretanto erradicados, e outros encontraram nas moradias e andares cedidos pela antiga Assembleia Distrital de Lisboa o precioso abrigo depois das devastadoras cheias de 1967.Aliás, bem perto passa o rio da Costa, que nas épocas de maior pluviosidade põe em perigo a segurança de todos. A situação piorou substancialmente, dizem dos moradores, desde que foram efectuadas obras no leito para permitir a construção do troço Odivelas-Alfornelos da Circular Regional Interior de Lisboa.Aos problemas relacionados com a precariedade das habitações junta-se o desleixo na preservação das áreas envolventes. Entrando numa das ruas dos bairros, é fácil perceber o esquecimento a que têm sido sujeitas, com o lixo a abundar e os espaços destinados às zonas verdes votados ao abandono."Eles recebem o dinheiro da renda e não fazem obra nenhuma. Isto está cada vez pior, há humidade por todos os lados, as pessoas não podem com os maus cheiros. No Inverno chove cá dentro, no Verão não se pode suportar o calor, as melgas, os piolhos, os ratos e a bicharada toda", conta, indignado, Carlos Manuel, que mora logo à entrada do principal arruamento do Bairro de Santo António, onde vive meia centena de famílias.Neste aglomerado de moradias de piso térreo, construído ao jeito dos antigos bairros operários, toda a gente tem queixas a fazer do senhorio. Muitos pagam rendas de 150 escudos, dado que nunca houve actualização de preços, mas também não se importariam de "largar dez ou quinze contos por mês e ter melhores condições".Emília Oliveira, 71 anos, conhece aquelas paredes gastas desde 1962, quando veio deslocada de "umas barraquinhas ali em baixo". Viúva, continua a dispensar mensalmente a mesma quantia que o marido já retirava do magro orçamento familiar. Das promessas de realojamento não parece esperar grande coisa, pois "há muito tempo que se ouve falar nisso". "Com esta idade não sei se lá chegarei, e também estou tão cheia de prometimentos", confessa, sorrindo.O Governo Civil de Lisboa fornece materiais e paga para os moradores fazerem eles mesmos as obras. Os habitantes do bairro acham esta medida insuficiente e injusta, e por isso alguns recusam-se a pagar as rendas. "Enquanto não fizerem alguma coisa que se veja, não encho a barriga a gulosos", assegurava um homem.No vizinho Bairro de São José a situação também não é muito mais animadora, como pode verificar quem circula pelos esburacados arruamentos rodeados por prédios de três pisos. Encostados às manchadas paredes, onde o branco de outrora desvanece, grupos de adolescentes olham com desconfiança quem passa.A União Desportiva e Recreativa de Santa Maria é a única colectividade da zona, tentando manter os jovens ligados a valores positivos e que os afastem de um quotidiano marcado pela marginalidade e delinquência. Apesar disso, a sede do clube não deixa de sofrer os males de todos os edifícios do bairro: paredes danificadas pela humidade e colectores de esgotos em avançado estado de degradação.Natalino Lopes, antigo dirigente do clube, e agora a explorar a concessão do pequeno bar instalado, diz, quase conformado: "Isto sempre foi assim, eles nunca ligaram nada". "Por vezes, não se pode aqui estar com o mau cheiro", explica, antes de mostrar as traseiras do edifício, onde o esgoto proveniente dos andares de cima cai directamente na via pública.Mesmo reconhecendo as más condições de vida daquela população, Almada Guerra, vice-governador civil de Lisboa, acha que a situação "melhorou substancialmente", desde a entrada em funções do actual governador, há quatro anos. "Não temos um suporte financeiro que nos permita fazer coisas sem fim. No entanto, é importante salientar que estamos a subsidiar a alimentação de 250 crianças, permitindo que elas frequentem a escola, o que antes não acontecia. Além disso, procedemos a diversas obras, como a construção de jardins no Bairro Mário Madeira".Sublinhando o facto de terem sido entregues 52 novas casas a famílias do Bairro da Capela, o responsável lembra que, actualmente, o "Governo Civil só detém 400 fogos, estando muitas das pessoas incluídas no Programa Especial de Realojamento", a cargo do município de Odivelas. Os outros, garante, foram adquiridos pelos próprios moradores.Almada Guerra acha que algumas das críticas são "injustas" - a limpeza das ruas, por exemplo, não compete ao Governo Civil -, mas deixa a promessa de que, "a longo prazo, as pessoas do Bairro Santo António serão realojadas". As do São José terão que se contentar com o que têm.

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