Aimez-vous Brahms?

É o terceiro "B", depois de Bach e Beethoven, da tradição alemã. Schoenberg exaltou nele o carácter "progressivo", mas há quem ainda seja reticente, pelo menos a alguns aspectos da sua obra, razão para manter o conhecido título de um romance de Françoise Sagan.

SINFONIAS Nº 1-4SWR Stuggart Radio Symphony OrchestraSergiu Celidibache3 CD DG 459 635-2, 172'34'', dist. PolygramA EMI adiantou-se com a publicação da "first authorized edition" de Celibidache, mas a Deutsche lança no mercado outra ainda maior. Ao longo de cinco anos, serão publicados 60 discos dirigidos pelo maestro romeno que se recusava a gravar em estúdio - mas as bandas de rádio e a autorização dos herdeiros permitem estas edições póstumas. No caso, provêm de concertos com a Orquestra da Rádio de Stuggart, a que "Celi" esteve associado em 1972-83. Depois desta primeira caixa dedicada a Brahms, três mais se anunciam ainda para este ano: Reportório Russo (incluindo a orquestração de Ravel de "Quadros numa Exposição" de Mussorgsky, em que será interessante a comparação com o registo de Munique publicado na EMI), Strauss e Respighi e Reportório Francês (incluindo "La Mer" de Debussy, o zénite das interpretações de Munique).É sabido que Celibidache foi um dos maestros mais singulares deste século. No caso das sinfonias de Brahms a singularidade interpretativa chega a ser desconcertante. A predilecção pelos movimentos lentos é imediatamente reconhecível, às vezes com matéria musical pouco propícia (o "andante moderato" da Sinfonia nº4, que parece esboroar-se), mas, de um modo geral, logo desde o "poco sostenuto" introdutório da Sinfonia nº1, seguido de um crescendo esmagador (nunca se ouviu um tal ataque), Celibidache introduz elementos de tensão, que se diria arrancarem as obras à arquitectura romântica (Brahms seria assim oposto de Bruckner, tal como ouvida na recente edição da EMI) e põe em relevo um carácter contrastante, muito livre e extremo nos tempos e na dinâmica, sendo curioso saber que o maestro associava com frequência a Sinfonia nº1 a "La Mer" - e, de facto, há verdadeiras "vagas" no "allegro" inicial dessa Sinfonia. Ela é, em todo o caso, aquela em que o sentido da arquitectura global é mais patente, tendo como cúpula o último andamento, com um ataque solene ao "adagio", em que os chamamentos das trompas (aos 3'18'' e 5'00'') e das flautas (aos 3'56'') conduzem a um "più andante" radioso, que por sua vez, em "ostinati", desemboca num "allegro" que será "non troppo", mas certamente "com brio". As restantes três sinfonias são bastante mais problemáticas, com uma matriz comum. Invariavelmente, os primeiros andamentos são muito decididos, de um modo que não chega a tomar amplitude e que, no caso do "aleggro non troppo" da Sinfonia nº2, parece mesmo desarticular o material temático. Os segundos são os momentos de expansão, lentos, até ao limite no citado caso do "andante moderato" da Sinfonia nº4. Os terceiros decididos e breves, os conclusivos vivos e enérgicos, um turbilhão mesmo no "allegro con spirito" da Sinfonia nº4. Não o neguemos: com a possível excepção da Sinfonia nº1, "este" Brahms, nunca antes ouvido de tal modo, deixa-nos sobretudo perplexos. O destino desta caixa não pode deixar de ser apenas os que aceitem as interpretações de Celibidache como ele provavelmente as exigiria: incondicionais. Como bónus, há um quarto CD com extractos de ensaios da Sinfonia nº4.Maurizio PolliniOrquestra Filarmónica de BerlimClaudio AbbadoDG 447 041-4, 44'59'', dist. Polygram"Ao vivo" (um registo captado em Viena, o que se diria irónico tratando-se dos Berliner), uma verdadeira cimeira de pianista, orquestra e maestro. A introdução orquestral do "maestoso" inicial é electrizante. Aos 3'41'', o piano entra, em devaneio, antes da afirmação resoluta, aos 4'28''. A partir daí há uma constante oscilação de tempos e de dinâmicas, numa interpretação bem ancorada na filiação em Schumann, mas com matrizes tímbricas insuspeitadas, num diálogo permanente em que os dois parceiros, ora o piano, ora a orquestra, se destacam no desbravar da floresta sonora, com um Pollini demiurgo, absolutamente arrebatador e de uma mestria completa, com Abbado e a sua orquestra submergindo-nos numa miríade de cores de uma projecção deslumbrante. Em contraste com a energia do primeiro andamento, no segundo o piano paira sobre a orquestra, incita-a a expandir-se liricamente, e é ainda o instrumento solista que enfim, no "rondo", propulsiona o jogo fugosamente. Uma grande, grande interpretação do Concerto nº1!SONATA PARA VIOLINO E PIANO Nº3Maxim VengerovChicago Symphony Orchestra Daniel BarenboimTeldec 0630-17144-2, 61''43'', dist. WarnerNo Concerto, depois da solene introdução orquestral, Vengerov entra em cena afirmando, logo desde os primeiros compassos, não só uma robusta sonoridade, como também uma evidente personalidade, narcísica talvez, sem temer os extremos (o "rallentando" dos 3'55' aos 4'24''). E é precisamente a um jogo de extremos, dinâmicos, de tempos, de sensibilidades, que o violinista se abandona, ele que é o evidente condutor do jogo (Barenboim apenas acompanha e às vezes pesadamente), um jogo que é quase irritante na vontade de "fazer diferente" cada frase, não fosse o prodigioso domínio técnico e a beleza irradiante da sonoridade (o instrumento é um Stradivarius), um jogo levado ao limite de "demonstração" na cadência escrita pelo próprio Vengerov (com reminiscências de Heifetz). No "adagio", menos propício a pirotecnias técnicas, o "rubato" de Vengerov quase se torna perigoso, porque condiciona a exposição da beleza da linha melódica, mas é um "intermezzo" para a vivacidade contrastante do "rondo", mais propício à afirmação deste violinista jovem e sem dúvida de excepção.As coisas mudam de figura no "complemento", a Sonata nº3 em ré menor, desde logo porque Barenboim muda de estatuto, passando de maestro, e acompanhador, a pianista, e participante de pleno direito. Já tendo anteriormente gravado esta Sonata com Zukerman e Perlman, Barenboim conhece-lhe bem os meandros. Dir-se-ia que, enfim, se instala um verdadeiro diálogo, mas neste caso é Vengerov, não obstante a ardente sonoridade (ou a beleza dos "pizzicatti" no terceiro andamento) que, quase resvalando para o sentimentalismo no "adagio", fica como que aquém, num brilhantismo a que falta qualquer coisa, quiçá o mistério, escondido pela superficialidade. As circunstâncias da publicação também explicam algo, na audição comparativa dos registo Vengerov-Barenboim e Chung-Frankl.Kyung-Wha Chung, Peter FranklEMI Classics 556 203-2, 67'58''Um clima misterioso instala-se logo nos primeiros compassos do "vivace ma non troppo" da Sonata nº1. O andamento, com momentos mágicos (o "cantabile" do piano, comentado pelo "pizzicatti" do violino, dos 3'44'' aos 4'05'', o "rallentando" antes da conclusão, dos 9'56'' aos 10'2'') é o longo prólogo de um percurso particularmente inspirado. Sobre as filigranas que o piano vai desenhando, o violino, de uma sonoridade harmonicamente muito rica, é de uma intensidade envolvente. Ao longo das três sonatas, o espírito da música de câmara expande-se, subtil e maduro, pleno de precisão e "nuances", num percurso que terá o seu momento maior no "andante tranquilo - vivace" da Sonata nº2, até à desenvoltura da Sonata em ré menor, em termos de escrita a mais brilhante das três (interpretada em tempos mais concisos que os de Vengerov-Barenboim). Na consideração discográfica da música de câmara de Brahms passa doravante a ser necessário atender a este recital de Chung e Frankl.(+ HENZE)Quinteto para piano, dois violinos, viola e violoncelo)Peter Serkin, Guarnieri QuartetPhilips 446 710-2, 65'38'', dist. PolygramAo gravarem com Serkin filho o Quinteto op.34, os Guarnieri deparavam com um "fantasma": o seu famoso registo da mesma obra com Arthur Rubinstein, datado de 1966. O problema não parece tê-los afectado. A nova gravação, menos tocada pelo "pathos" romântico algo excessivo da outra, é mais "objectiva" por assim dizer, até porque o piano é menos arrebatado. Se alguma "sombra" plana sobre este registo, é outra, a de Serkin pai (com o qual os Guarnieri também muito gravaram) e a sua entrega à música de câmara, nomeadamente nos festivais de Marlborough. Sobressai um "andante, un poco adagio" de belíssimas sonoridades e um não menos belíssimo final, sendo no "scherzo" entre ambos os ataques e a dinâmica talvez um pouco forçados, embora o final do andamento seja de facto empolgante. O disco incluiu ainda o quinteto que Hans Werner Henze escreveu para estes intérpretes, que, como a sua música das últimas décadas, se apresenta fundamentalmente como uma "modernização" de uma linha Beethoven-Brahms-Schoenberg (os dois últimos sobretudo), com uma acumulação de tensões em crescendo dos três andamentos, resolvida no último. Mas é pelo quinteto de Brahms que este disco sobressai.

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