Torne-se perito

Presidente inconformado

Se num fim-de-semana ou num feriado acontecer uma urgência que exija a presença imediata no estrangeiro do Presidente da República (PR), este não pode viajar, isto se se interpretar em rigor a Constituição. Foi isso que Sampaio e Almeida Santos fizeram, impedindo o PR de assistir ao funeral de Hussein da Jordânia, ocasião que proporcionou uma reunião de três horas entre estadistas de todo o mundo. Sampaio reflectiu, reflectiu, mas às oito da noite decidiu que não arriscava. Guterres, àquela hora, também já não estava disponível. Foi António Costa. A oposição acusa o "excesso de zelo" e a Assembleia decidiu mudar o regimento para acelerar as viagens urgentes.

A ausência do Presidente da República no funeral do rei Hussein da Jordânia, impedido de viajar para Amã devido a um imperativo da Constituição, levou-o a decidir escrever, até ao fim da semana, uma carta ao presidente da Assembleia da República (AR), Almeida Santos. Os termos da carta estão a ser estudados, mas irão no sentido de considerar que a actual norma constitucional não se aplica à realidade e propôr uma norma que preveja situações de emergência, soube o PÚBLICO junto da Presidência da República. Mas a Assembleia já concluiu que não pode deixar mais vezes o Presidente em terra e vai alterar o regimento de maneira a acelerar o processo das viagens oficiais (ver texto ao lado).O artigo 129º da Constituição diz que o Presidente da República não pode ausentar-se do território nacional sem o assentimento da Assembleia da República ou da sua Comissão Permanente, se aquela não estiver em funcionamento. A "inobservância" desta norma envolve "a perda do cargo".A notícia da morte do Rei Hussein soube-se em Lisboa ao meio-dia de domingo e, para assistir ao funeral, Jorge Sampaio seria obrigado a partir ao final do mesmo dia. O Presidente terá hesitado até às 20 h, não sabendo o que fazer perante o emaranhado legislativo que rodeava a sua viagem. Daí se explica a reacção seca do gabinete de António Guterres, ao justificar o facto do primeiro-ministro também ter optado por não ir: "Quando a questão se colocou, já não foi em tempo útil". O ministro dos Assuntos Parlamentares, António Costa, que representou Portugal no funeral do rei jordano, acabou por ser avisado de que tinha que partir para Amã apenas cerca das 21 h. Para reunir em sessão plenária, o Parlamento tem, determina o seu regimento, que ser convocado com o prazo mínimo de 24 horas de antecedência. Convocar a comissão permanente da AR não se apresentou como uma hipótese viável nem para Almeida Santos nem para Sampaio pois, segundo a Constituição, a comissão só funciona, "fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia da República, durante o período em que esta se encontra dissolvida, e nos restantes casos previstos na Constituição". Ora o rei Hussein faleceu durante um fim de semana, não estando o Parlamento nem em férias nem dissolvido. Os "restantes casos" que a Constituição prevê para a Comissão Permanente entrar em funcionamento são - quando a AR não estiver reunida nem for possível a sua reunião imediata -, para fazer "uma declaração de guerra em caso de agressão efectiva ou iminente e fazer a paz, sob proposta do Governo", ou para proclamar "a declaração do estado de sítio ou de estado de emergência".A Constituição, como reconheceu uma fonte do gabinete de Jorge Sampaio, peca efectivamente por "falta de operacionalidade", nesta matéria. "O Presidente da República falou sobre o problema da sua deslocação ao funeral do Rei Hussein da Jordânia com Almeida Santos e com o primeiro-ministro, mas a dificuldade não se podia tornear. Se ele tivesse ido e pedisse autorização à posteriori à Assembleia da República abrir-se-ia um precedente e podia ser muito complicado". "O cenário do rei Husseim é grave, imagine-se se tivesse sido o rei de Espanha", disse uma outra fonte da Presidência da República, contactada pelo PÚBLICO. Mas, por não ter estado presente em Amã, Jorge Sampaio perdeu a oportunidade de participar num gigantesco fórum de política internacional. António Costa esteve três horas reunido com estadistas de todo o mundo que acorreram à capital jordana para o funeral real.

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