Empresas portuguesas começam a andar na nuvem

A adopção de serviços através da Internet está a crescer, mas com disparidades entre grandes e pequenas organizações. Das empresas com mais de dez pessoas, 13% usam soluções na cloud.

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Mercado deve crescer a 26% ao ano até 2018, segundo a analista IDC Donna Carson/Reuters

Assim que conseguiu, a Ideias e Imagens, uma pequena empresa de consultoria em Lisboa, trocou o software de facturação que tinha instalado nos computadores por um serviço online. “Estávamos essencialmente à procura de um software que fosse fácil de usar. E não fazia sentido estar a fazer backups”, resume Bruno Figueiredo, sócio da empresa. Deixou assim de haver software para instalar e para actualizar, e a informação passou a estar guardada do lado de quem fornece o serviço.

Os trabalhadores da empresa também usam o popular Dropbox e o iCloud, da Apple, para guardarem ficheiros e poderem trabalhar sempre na última versão de um documento, independentemente do local e do aparelho. “Acabo apresentações em casa que vou levar ao cliente no dia a seguir, está tudo sincronizado. Associados a aplicações para iPad ou iPhone, são serviços que tornam muito prático o acesso em qualquer lado”, explica Bruno Figueiredo.

A Ideias e Imagens, que por sua vez lançou este mês o HiveFlux, um serviço também online para empresas fazerem gestão de projectos, é um pequeno exemplo da enorme panóplia de situações que cabem no conceito de cloud, cuja adopção está a crescer, tanto em pequenas, como em grandes organizações.

Em Portugal, 13% das empresas com dez ou mais pessoas adquiriram no ano passado algum tipo de serviço na cloud, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística. O mais frequente é, de longe, o email (78% daquelas empresas), seguindo-se o armazenamento de ficheiros e o software de escritório. Por outro lado, 30% pagaram por recursos de computação na infra-estrutura de outras empresas, com o objectivo de desenvolverem as suas próprias soluções (não há dados para 2013).

Por seu lado, números do Eurostat, o gabinete de estatísticas da União Europeia, indicam que Portugal tem algum terreno a recuperar face à maioria dos parceiros europeus. Está em 18.º na lista dos países em que as empresas mais recorrerem a serviços na cloud, com um nível de adopção igual ao da Lituânia e do Luxemburgo e ligeiramente abaixo de Espanha. Em média, 19% das empresas no bloco de 28 países recorre a algum serviço na nuvem.

Em crescimento
Os últimos anos foram de expansão no sector e a tendência que deverá continuar. Um estudo da IDC (feito através de um inquérito a 358 médias e grandes organizações, incluindo organismos da administração pública) prevê que a adopção de ferramentas disponibilizadas por empresas como o Google, a Microsoft ou a Amazon (a chamada cloud pública, à qual qualquer pessoa com Internet pode aceder) “vai generalizar-se no interior das organizações nacionais nos próximos dois anos, assim se como se vai alargar o número de serviços utilizados”. 

O director da IDC em Portugal, Gabriel Coimbra, observa que nas pequenas e médias empresas (PME), o uso desta tecnologia não é expressivo. “Vemos que há uma utilização pontual. Usam alguns serviços públicos de email. Algumas aplicações específicas de produtividade. Aplicações como o Skype e o Dropbox. Mas utilizam de uma forma desestruturada, enquanto nas grandes organizações vemos uma adopção estruturada”. 

O mercado destes serviços em Portugal, diz Gabriel Coimbra, ronda os 50 milhões de euros, uma fatia pequena do total das tecnologias de informação. Mas a IDC antecipa um crescimento anual de 26% até 2018, à medida que a prática se vai alastrando, impulsionada mais pelas empresas do que pelo sector do Estado. “A administração pública ainda está a dar os primeiros passos. No privado, os níveis de utilização são bastante maiores. Em sectores como a banca, seguros, serviços, retalho, já vemos alguns níveis significativos de utilização”.

Segundo o inquérito da IDC, são muitas mais as organizações que estão numa fase inicial de adopção do que aquelas que se encontram em fases avançadas. Mas a grande maioria está atenta: apenas 11% disseram não ter ainda discutido estas tecnologias.

Sem retorno
“Hoje em dia, a cloud satisfaz as nossas necessidades pessoais, e serve como solução para as empresas. Um cliente que adopta um serviço cloud, dificilmente volta para uma solução própria. Os custos são menores”. O argumento é de Nuno Homem, director-geral da Mainroad, uma empresa de tecnologias de informação que a Sonaecom (dona do PÚBLICO) vendeu à Nos, no final do ano passado. “É um caminho de uma só via. Esse número [de empresas que adoptam a tecnologia] vai com certeza crescer”, afirma.

O gestor reconhece, no entanto, que o arranque foi feito com algumas reticências por parte dos clientes. “Iniciámos a nossa oferta cloud há dois anos. O primeiro ano teve uma adopção um pouco mais lenta do que gostaríamos. É uma forma diferente de fazer as coisas e as organizações têm alguma inércia”, explica. A crise, diz, também não ajudou. “O momento económico que atravessámos era difícil e condicionou muito a decisão”. Os clientes “começaram por um serviço muito pequeno, muito experimental”, embora tenham “progredido muito rapidamente”. 

Por outro lado, Luis Carvalho, responsável pela área de cloud na Microsoft Portugal, refere que a crise e a necessidade de internacionalização até fomentou a utilização. A adopção, refere, acontece mais facilmente nas “novas empresas, que já nasceram nesta fase” ou naquelas “que se reconfiguraram” e apostaram nos mercados internacionais. “Por estarem na cloud, as aplicações estão disponíveis em qualquer ponto do mundo. Criar escritórios em Angola, no Brasil ou em qualquer país europeu é mais fácil”. 

Esta flexibilidade, diz Luis Carvalho, “cria apetência para que as empresas arrisquem mais”, uma vez que “desenvolver um novo canal de negócio tem menos custos de entrada e, se algo correr mal, não há nada para amortizar”.

No que diz respeito à gestão dos custos, o responsável da Microsoft aponta diferenças entre as grandes e as pequenas organizações: “As grandes empresas preferem pagar ao ano, antecipadamente, ajustando depois em função do consumo real. As startups preferem o pay as you go: pagam mensalmente, conforme as necessidades”.

A mudança não se faz, porém, sem receios, ressalva Gabriel Coimbra, da IDC. A questão da segurança dos dados “está logo no topo” das preocupações. Surge depois um segundo problema: a dependência dos fornecedores do serviço. “Se quiserem mudar de fornecedor, como fazem?”, é a questão que muitos responsáveis nas empresas se colocam, diz Gabriel Coimbra.

Nuno Homem, da Mainroad, acrescenta a uma outra questão: a dos recursos humanos: “Muitas das nossas empresas têm uma estrutura algo pesada em termos de sistemas de informação. Ao migrarem para uma solução cloud, há espaço para reduzirem essas equipas”. O problema, oberva, é que “muitas organizações não olham para isso como uma oportunidade para porem essas pessoas a fazerem um serviço de maior valor”.

A METÁFORA DA NUVEM
Cloud é um jargão cada vaz mais ouvido para designar o uso de aplicações e informação que estão guardadas numa “nuvem” de servidores, longe do utilizador. Pode referir-se a ferramentas como o Gmail e também a aplicações de produtividade online, como o Google Drive e o Office Online, que permitem criar, editar e armazenar documentos nos servidores do Google e da Microsoft.

Na cloud, porém, cabem também os casos em que as empresas alugam poder de computação a outras empresas e usam esses recursos para desenvolver as suas próprias aplicações. E, entre recorrer a um serviço já pronto e pagar por computação à medida das necessidades, há vários patamares intermédios.

Gigantes como a Google e a Amazon são conhecidos por disponibilizar vários serviços, a qualquer pessoa ou empresa. São as chamadas cloud públicas. Por outro lado, há as clouds privadas, em que o conceito é desenvolvido e aplicado no interior de uma organização. Pode acontecer, por exemplo, no caso de bancos e departamentos militares, que têm necessidades especiais de segurança.

Os serviços na cloud estão desenhados para serem vendidos consoante as necessidades de quem os compra. Um cliente pode optar por comprar mais capacidade de computação por um determinado período de tempo e voltar aos valores - de computação e de preços - anteriores quando aquela necessidade específica estiver colmatada. Noutros casos, o pagamento é feito consoante o número de utilizadores. As aplicações de produtividade do Google são um exemplo. Consoante as funcionalidades, custam quatro ou oito euros por utilizador por mês. A facturação é mensal e podem ser retirados ou acrescentados novos utilizadores a cada momento.

 

 

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