TC declara inconstitucional corte das reformas dos polícias como pena disciplinar

Juízes invalidam norma de regulamento com 24 anos e defendem "dignidade humana". Decisão é considerada histórica entre os polícias que podiam ficar quatro anos sem receber pensão. Agente visado ficou cinco anos sem meios de subsistência.

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Miguel Madeira

O Tribunal Constitucional (TC) declarou recentemente inconstitucional a possibilidade de a PSP cortar por completo e durante quatro anos a pensão de agentes aposentados no âmbito de um processo disciplinar mesmo que em causa estivesse um problema particular.

Os juízes invalidaram assim a aplicação, num acórdão datado da semana passada, ao qual o PÚBLICO teve acesso, de uma norma do Regulamento Disciplinar da PSP que conta já com 24 anos. Foi aprovado em 1990 quando Mário Soares, que o promulgou, era ainda Presidente da República.

Há muito que os agentes da PSP, pela voz dos vários sindicatos do sector, se indignavam contra uma opção então legal que permitia deixar um polícia aposentado, sem outros meios de subsistência, sem reforma durante quatro anos. Por esta razão, o acórdão do TC está a ser visto como uma decisão histórica na PSP.

No acórdão, o TC considera que a medida “num momento em que [o polícia] cessou a vida activa e se tornou exigível o direito à pensão de aposentação” colocava os agentes da PSP “numa situação de carência” que poderia “pôr em causa as condições básicas de vida”.

Os juízes dizem mesmo que era “ilógico e desrazoável que se suprimam as prestações dos rendimentos do trabalho cobertas por um sistema providencial de carácter contributivo e obrigatório”. Além disso, recorda o TC, a “finalidade das medidas disciplinares é a prevenção especial, que deixa de ter cabimento quando o agente se encontre já desligado do serviço activo”.

O regulamento permitia que a pena de demissão fosse “substituída pela perda de direito à pensão pelo período de quatro anos”.

A decisão foi tomada no âmbito do caso de um agente reformado por invalidez e condenado, em Dezembro de 2007, a uma pena – suspensa por dois anos - de 16 meses por prevaricação e denegação de justiça.

Há cinco anos que o polícia não recebe a pensão. Foi longo o caminho do agente na justiça. Em sete anos, o processo passou pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Tribunal Central Administrativo Sul e Supremo Tribunal Administrativo sem que lhe dessem razão quanto ao corte da reforma. O recurso para o TC inverteu o caminho do processo.

No acórdão, os juízes consideram que estava em causa o “princípio da igualdade” face aos restantes funcionários públicos que não podem ser punidos de igual forma quando aposentados. Alertavam ainda que estava em causa a “dignidade humana” lembrando anteriores decisões que estabeleceram a impenhorabilidade de pensões sociais de valor não superior ao salário mínimo nacional.

“Foi uma longa batalha. Este dia ficará bem registado na nossa memória”, disse o presidente do Sindicato Nacional de Polícia (Sinapol), Armando Ferreira.

“Esta é uma decisão história para todos nós, principalmente para as dezenas de reformados que ficaram sem pensão. Costumava dizer que mesmo depois de sairmos da PSP éramos perseguidos pelo regulamento de disciplina até à cova”, acrescentou o vice-presidente da assembleia-geral do Sindicato dos Profissionais de Polícia, António Ramos. Também o presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia, Paulo Rodrigues, congratulou o TC por eliminar uma “norma não fazia qualquer sentido”. A direcção nacional da PSP não comentou o caso.

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