Relação agrava multa a Sá Fernandes por gravar conversa com empresário que tentou corromper irmão

Advogado não se conforma com decisão que levou à quadruplicação do valor da multa e diz que vai participar o caso ao Conselho Superior da Magistratura.

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Os dois irmãos Sá Fernandes, vereador e advogado, em 2012 Enric Vives-Rubio

Subiu de 1200 para 4800 euros a multa que Ricardo Sá Fernandes terá de pagar pela gravação encoberta de uma conversa com o patrão da Bragaparques, Domingos Névoa.

Em 2006 o empresário de Braga queria comprar o silêncio do irmão do advogado, o vereador José Sá Fernandes, por 200 mil euros, de forma a que este deixasse de se opor à permuta dos terrenos da Feira Popular, propriedade da Câmara de Lisboa, pelos do Parque Mayer, que eram da Bragaparques. Fingindo alinhar no esquema, Ricardo Sá Fernandes gravou as conversas que teve com Domingos Névoa, que o usou como intermediário para chegar ao irmão.

E se a maioria das gravações que fez das conversas que teve com Domingos Névoa foram autorizadas pelas autoridades, o mesmo não sucedeu com a que ocorreu no primeiro encontro entre os dois — razão pela qual foi condenado, em Outubro passado, pelo crime de gravação ilícita.

Absolvido em primeira instância
O advogado havia sido absolvido em primeira instância, mas após recurso interposto por Domingos Névoa o Tribunal da Relação de Lisboa acabou por condená-lo, tendo-lhe sido fixada em Outubro passado uma multa de 1200 euros, o equivalente a 60 dias de multa à razão de 20 euros diários. “O acórdão da Relação é um documento deplorável”, reagiu o advogado, que, tal como o queixoso, recorreu desta sentença.

Acusando os juízes que o condenaram de “malabarismo judicial”, Ricardo Sá Fernandes alega que entregou de imediato a gravação ao Ministério Público, sem sequer guardar uma cópia para si. Já Domingos Névoa diz-se “vítima directa da conduta criminosa” do advogado, que queria ver sentenciado a prisão, nem que fossem seis meses de pena suspensa. O empresário não se conforma com as “manifestações de orgulho e vanglória pelo cometimento do crime”: Sá Fernandes tem dito que voltaria a fazer o mesmo para desmascarar a sua tentativa de corrupção.

22 de Janeiro de 2006 era dia das eleições que haviam de eleger Cavaco Silva para o seu primeiro mandato como Presidente da República. Depois de ir votar, o advogado lisboeta dirigiu-se ao Hotel Mundial, onde combinara encontrar-se com Névoa. Pensara em ir munido de uma caneta-receptor, que lhe arranjara um cliente seu, o apresentador Carlos Cruz, mas as experiências que fez com a engenhoca não se mostraram à altura da missão e acabou por recorrer à função de gravador do telemóvel de um cunhado seu. Não foi perfeito: quando finalmente o empresário nortenho avançou com uma proposta já a gravação havia terminado. Mais tarde o procurador Rosário Teixeira sugeriu-lhe que voltasse a conversar com Névoa, por forma a repetir a gravação, desta vez com autorização judicial. Foi com base nessas gravações posteriores que o patrão da Bragaparques foi condenado por corrupção.

Culpa agravada sem arrependimento
No passado dia 5 de Junho o Tribunal da Relação resolveu agravar a pena de Ricardo Sá Fernandes por gravação ilícita. O facto de não ter mostrado arrependimento, “vangloriando-se”, ainda por cima, “de forma reiterada e desabrida”, de ter violado a lei apesar de ser advogado levou os juízes a atribuírem-lhe elevado grau de culpa.

“A prática de um crime nunca poderá ter subjacente a defesa de qualquer motivo invocado como ‘nobre’ ou ‘honroso’”, escrevem os magistrados. “Se assim não fosse, aos olhos de alguns arguidos muitas das suas condutas estariam justificadas por motivos nobres ou honrosos!”, explicam, fazendo subir a multa para 120 dias em vez de 60 à razão não de 20 mas de 40 euros diários, montante que entendem ser mais adequado à situação financeira de Sá Fernandes.

“Não vou pagar”, declara ao PÚBLICO o advogado, que entende que os juízes responsáveis pela decisão estavam impedidos de reanalisar o caso. “Passaram-se coisas muito graves neste processo. Vou participar a situação ao Conselho Superior da Magistratura”, anuncia. Em causa está o facto de terem sido os mesmos juízes a condená-lo anteriormente pelas gravações. “Não podiam ter sido eles a proferir este acórdão”, acrescenta, inconformado.

Este não é o único processo que Névoa levantou contra Sá Fernandes: num dos seis processos que interpôs contra o advogado, o dono da Bragaparques quer proibi-lo, bem como ao irmão, de voltarem a falar nele. De cada vez que pronunciarem o seu nome, pede que sejam multados em cinco mil euros. O tribunal ainda não tomou uma decisão sobre este último caso, em que o empresário reclama ainda uma indemnização de meio milhão. “Vigarista” é um dos epítetos que o advogado usa para se referir a Névoa.

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