Médico que cegou pacientes no Algarve condenado a pena suspensa

Trabalhadora agrícola que tinha contraído empréstimo para ser operada ficou sem ver praticamente nada aos 35 anos, por não ter sido enviada a tempo para o hospital .

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Era nesta clínica em Lagoa que o médico holandês exercia Público

O oftalmologista holandês que fez perder parcialmente a visão a três pessoas, causando a cegueira quase total a uma quarta paciente, foi condenado esta quinta-feira pelo Tribunal de Portimão a uma pena suspensa de prisão de quatro anos e oito meses.

Os juízes consideraram que a medida é suficiente para Franciscus Versteeg, hoje com 67 anos, não voltar a cometer crimes de ofensas à integridade física por negligência grave. Tudo se passou no Verão de 2010, numa clínica que o médico tinha em Lagoa. Além dele, apenas ali trabalhava um finalista de Psicologia, que desempenhava as funções de seu assistente, e uma recepcionista. Se foi ou não a falta de higiene e de desinfecção da clínica a causar graves infecções oculares aos quatro pacientes, não se sabe. Submetidos a cirurgias para as cataratas, três dos quatro doentes, um dos quais com 88 anos, ficaram cegos de um dos olhos, enquanto uma trabalhadora agrícola com 35 anos e a sofrer de miopia ficou, segundo o tribunal, a conseguir apenas diferenciar vultos e algumas sombras. Valdelane Aparecida dos Santos diz, porém, que o seu estado é ainda pior do que descrevem os juízes: “Fiquei completamente cega dos dois olhos, tive de me reformar”. A decisão do tribunal de aplicar uma pena suspensa não desiludiu a imigrante brasileira: “Até foi razoável. Podia ter sido pior”, comentou a única vítima presente durante a leitura da sentença. O advogado dos quatro pacientes também se mostra razoavelmente satisfeito, embora admita voltar aos tribunais para pedir uma indemnização para os seus clientes.

Quando, pouco tempo depois de serem operados, os pacientes lhe apareceram a queixar-se de dores, Franciscus Versteeg – que também já foi proibido de exercer na Holanda – não fez o que ditam as boas práticas médicas: em vez de os remeter de imediato para um hospital, a tempo de travar a infecção, medicou-os como podia e só mais tarde os mandou procurar tratamento hospitalar. A oftalmologista do Hospital de Beja que observou Valdelane, 24 horas depois da operação, percebeu que nunca tinha visto uma infecção ocular daquele tipo tão grave, ainda por cima nos dois olhos. A trabalhadora agrícola devia ter operado um olho de cada vez, mas durante a intervenção cirúrgica o médico mudou de ideias e resolveu intervencionar o segundo olho logo ali. De Beja, foi enviada de ambulância para Lisboa, mas mais de um mês de internamento nos Capuchos não fizeram nenhum milagre.

“Embora sejam uma situação de grande urgência e gravidade, com assistência e tratamento médico adequados as endoftalmites não conduzem necessariamente à cegueira, risco que aumenta exponencialmente com o atraso nos procedimentos terapêuticos”, pode ler-se na sentença, que ainda condenou a pena suspensa o ajudante do médico por usurpação de funções: tornou-se seu assistente sem estar devidamente habilitado, chegando a ser ele quem por vezes observava os pacientes e os aconselhava.

O oftalmologista esteve ausente de todas as audiências do julgamento, tendo alegado não possuir recursos para se deslocar da Holanda a Portugal. Ao contrário das vítimas, não pagou a um advogado para o defender: foi representado por uma advogada oficiosa, paga pelo Estado. Os juízes ordenaram-lhe ainda que pagasse os tratamentos a que os doentes tiveram de ser submetidos em Lisboa, no valor de 15 mil euros, e que entregasse mais cinco mil euros a uma instituição ligada aos invisuais, o centro Helen Keller.

A clínica de Lagoa nunca chegou a concluir o seu processo de licenciamento, mas Franciscus Versteeg orgulhava-se de fazer 14 mil tratamentos a laser por ano.

 

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