IPO do Porto já está a fazer estudos com tratamentos personalizados

Dos 29 novos ensaios clínicos aprovados no ano passado no IPO do Porto, sete são em imunoterapia.

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A Unidade de Investigação Clínica do IPO-Porto foi criada em 2006 FERNANDO VELUDO

O cancro é, de longe, a área em que a investigação clínica mais aposta. O IPO (Instituto Português de Oncologia) do Porto é um dos centros de investigação com mais experiência na área dos ensaios clínicos em Portugal. Em 10 anos, completados há um mês, a Unidade de Investigação Clínica do IPO recrutou cerca de 1600 doentes para participar em mais de 230 ensaios clínicos. A unidade já está mesmo a fazer ensaios clínicos em imunoterapia, tratamento inovador que usa agentes biológicos para estimular o sistema imunitário e o ajudar a corrigir os mecanismos de defesa alterados em caso de cancro. Este tipo de ensaios começa a ter algum peso: dos 29 novos estudos aprovados em 2015, sete são em imunoterapia.  

“Estamos a entrar em múltiplas neoplasias (melanoma, mama, cancro gástrico, do pulmão, da cabeça e pescoço)”, explica o coordenador da Unidade de Investigação Clínica, José Dinis. O médico dá o exemplo do melanoma, em que 20% dos doentes poderão ficar curados, “o que era impensável há seis anos”. Este tratamento veio revolucionar completamente o paradigma, que agora está centralizado no doente. “Treinamos as nossas forças especiais” para lutar contra o cancro, ilustra.

De resto, o IPO do Porto é actualmente um centro de referência para os ensaios clínicos realizados em Portugal na maioria das patologias tratadas na instituição e 95% dos doentes são recrutados internamente, o que não é difícil num hospital que recebe 10 mil novos pacientes por ano. assim, no final do ano passado, tinha 114 ensaios clínicos em curso, entre internacionais e nacionais, e 245 doentes aceitaram participar em ensaios clínicos, apesar de só 143 terem acabado por entrar nos estudos. "Muitos perderam-se", diz José Dinis.

Falta de vontade política 

Satisfeito com o facto de a situação ter melhorado muito nos últimos anos, sobretudo do ponto de vista legislativo, o médico lamenta que não haja mais vontade política para apostar nesta área e que falte organização nos hospitais. São necessários institutos de investigação clínica associados com autonomia financeira, notando que esta é uma actividade “do mais concorrencial” que há a nível mundial. “Temos que demonstrar que somos bons para entrar nestes círculos”.

Mas as dificuldades de contratação de pessoal estão a travar o desenvolvimento desta actividade. É preciso contratar coordenadores, médicos e enfermeiros com rapidez suficiente para dar resposta aos pedidos dos centros internacionais e, como a burocracia e a legislação impedem que isso aconteça, muitas vezes são escolhidos doentes de outros países.

O IPO do Porto quer promover ensaios em fases cada vez mais precoces e tem em curso já ensaios de fase I, mas neste caso os voluntários são doentes. Os ensaios de fase I em oncologia são feitos com doentes que já não têm mais alternativa. São ensaios em que há cinco ou seis grandes centros especializados na Europa e em que a lista de espera chega a ser de três meses, diz. Mas o IPO está a fazer ensaios "cada vez mais complicados". 

Numa altura em que o ensaio com uma substância nova da Bial (conduzido por um laboratório francês e em que um voluntário saudável morreu) estava a desencadear grande polémica, há um mês, quando comemorou os dez anos de existência, o IPO do Porto promoveu um encontro para esclarecer os doentes e desmistificar algumas "ideias erradas" que ainda persistem sobre os ensaios clínicos e demonstrar que são "procedimentos seguros e altamente regulamentados".

Vários doentes contaram então a sua experiência aos jornalistas. Como Abílio Pereira, de 61 anos, que aceitou participar num ensaio de uma nova substância para um melanoma com metastização pulmonar. "Tenho esperança no sucesso deste tratamento, porque os nódulos do pulmão diminuíram de tamanho e um deles até passou de 2,3 centímetros para 0,4", relatou, na altura. Abílio Pereira garantiu até que não se preocupou com os riscos, ao contrário da mulher, que admitiu ter ficado "aterrorizada" depois de ter ouvido a notícia da morte de um voluntário em França. 

Em Portugal, ao contrário do que acontece noutros países, os doentes não podem ser pagos por participarem em ensaios clínicos. Apenas são compensados pelas despesas, como as deslocações e as refeições. Já os voluntários saudáveis que participam em ensaios de fase I, ainda  raros no país, podem receber o  valor correspondente a dois salários mínimos nacionais, além de serem ressarcidos pelas despesas.

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