Duas empresas do grupo Amorim, a Amorim Negócios Internacionais e a Amorim Imobiliária – que entretanto se passou a chamar Chamartin Imobiliária e mudou de mãos – foram duas das 51 sociedades que utilizaram os esquemas de fraude fiscal oferecidos pela Esger, uma empresa criada pelo Banco Espírito Santo para “optimização a nível fiscal”, causando, deste modo, um prejuízo ao Estado de mais de 46 milhões de euros.

Os dados fazem parte da acusação proferida há duas semanas pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) no âmbito da Operação Furacão, um megaprocesso de fraude fiscal que começou a ser investigado há 11 anos.

Após os ilícitos terem sido detectados, 47 destas empresas aceitaram pagar aos cofres públicos as dívidas em causa acrescidas de juros, evitando desta forma uma acusação formal de fraude fiscal. As empresas de Américo Amorim, considerado pela revista Exame o homem mais rico de Portugal, tiveram que desembolsar mais de 3,7 milhões de euros para conseguirem suspender o processo e depois o seu arquivamento. A Amorim Negócios Internacionais teve que avançar com 3.287.087 euros e a Amorim Imobiliária, que detinha os centros comerciais Dolce Vita, com 476.371 euros.

Não é a primeira vez que o grupo Amorim aparece associado a esta investigação, já que em Junho de 2008 várias sociedades do mesmo foram alvo de buscas, o que foi então confirmado pelo grupo num comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Depois, contudo, não se soube mais nada sobre a intervenção do grupo neste esquema. Contactado pelo PÚBLICO, a assessora de imprensa do grupo Amorim, Joana Martins, optou por não remeter qualquer comentário sobre este tema.

Do rol de beneficiários fazem ainda parte várias empresas conhecidas como o grupo Texto Editores, a Empresa Madeirense de Tabacos, liderada por Joe Berardo e o próprio empresário, a SPAL e a Porto Editora. Todos aceitaram pagar os impostos a que fugiram para evitarem a acusação e um previsível julgamento.

“Pela adesão aos esquemas em causa, proporcionados pela entidade Esger, (…) a sociedade Amorim Negócios Internacionais SA, entre 2001 e 2005, contabilizou vendas e demais encargos inferiores aos montantes efectivamente recebidos, num total de 4.919.377 euros, valor correspondente à vantagem patrimonial alcançada e que lhe permitiu obter, um ganho em sede de IRC, através da omissão de proveitos”, lê-se na acusação, um documento com mais de 1100 páginas.

Cerca de 5% desse valor foi usado para pagar despesas bancárias, administrativas e impostos devidos no Reino Unido, pela sociedade inglesa usada neste esquema, tendo o Ministério Público calculado em mais de 3,2 milhões o prejuízo causado ao Estado em sede de IRC, entre 2001 e 2005.

Os esquemas permitiram à sociedade Amorim Imobiliária obter “uma vantagem indevida, em sede de IRC não pago, no montante de 240.728 euros, e em sede de IVA não liquidado, no montante de 235.643 euros”.

O esquema passava por criar sociedades de fachada na Irlanda e Reino Unido que apenas serviam para emitir facturas relativas a mercadorias - na maioria inexistentes e noutros casos com o valor muito empolado - compradas pelas empresas nacionais. Estas pagavam às sociedades que funcionavam como testas-de-ferro os valores facturados e registavam as facturas falsas na sua contabilidade como custo, diminuindo assim o lucro sujeito a imposto. O dinheiro recebido pelas sociedades de fachada era depois transferido para contas bancárias de outras sociedades entretanto criadas em zonas off-shore e das quais eram últimos beneficiários os gestores das empresas clientes.

A empresa que mais pagou ao Estado nesta segunda fase do processo foi a Imperalum, uma firma que é líder em Portugal na comercialização de isolamentos térmicos e acústicos e desembolsou 5,8 milhões de euros. Num e-mail enviado ao PÚBLICO, o actual conselho de administração nota que “nenhum dos seus membros, se encontravam em funções na empresa à data de qualquer dos factos referidos”, não fazendo, por isso, comentários ao caso.

No ranking dos reembolsos seguem-se os montantes pagos pelo grupo Amorim e pelo grupo Texto Editores (entretanto adquirido pela Leya) que desembolsou mais de 2,7 milhões de euros. Dois dos seus gerentes entre 2001 e 2006 pagaram ainda cada um 1,4 milhões de euros relativos a IRS em falta. A Leya adianta apenas que os factos ocorreram antes de ser proprietária das empresas em causa e que “na altura, os anteriores accionistas regularizaram a situação”.

A Empresa Madeirense de Tabacos, liderada por Joe Berardo e o próprio empresário também foram apanhados no esquema, tendo a sociedade acabado por cobrir o prejuízo de 534 mil euros em IRC não pago e Berardo os 389 mil euros contornados em sede de IRS. A SPAL desembolsou 650 mil euros, sublinhando a actual administração “tem a sua situação tributária totalmente regularizada” e que não se revê nos anteriores órgãos sociais. 

A Porto Editora, que entrou com 125 mil euros,  refere que “resolveu a situação em devido tempo, e muito rapidamente”, já que a sua intervenção neste processo era “de pouquíssima relevância”.