Chinês com nacionalidade portuguesa foi executado na China

Condenado à pena de morte em 2009 por tráfico de droga e posse de arma proibida, Lau Fat Wai foi morto em Fevereiro, mas só agora se soube.

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Bilhete de identidade do cidadão português executado DR

Lau Fat Wai, o cidadão chinês de nacionalidade portuguesa condenado à morte em 2009 em Cantão, na China, foi executado em finais de Fevereiro, informou um porta-voz da Amnistia Internacional em Londres.

"Falámos com um dos irmãos de Lau Fat Wai, que nos confirmou que [o cidadão chinês com nacionalidade portuguesa] foi executado em finais de Fevereiro”, disse o porta-voz da Amnistia Internacional (AI), Olof Blomqvist.

Lau Fat Wai, 53 anos, era residente de Macau e, segundo os irmãos, citados pelo jornal de Macau Ponto Final desta sexta-feira, passou a fronteira para a China continental em 2006 para entregar uma encomenda a alguém para com quem tinha alegadamente uma dívida, tendo depois sido detido, e, três anos mais tarde, condenado à morte por tráfico de droga e posse de arma proibida. Segundo a lei chinesa, o tráfico de mais de 50 gramas de heroína incorre na pena de morte, como aconteceu com o cidadão britânico Akmal Shaikh, executado em 2009 em Urumqi, noroeste da China, através de injecção letal.

O primeiro advogado de Lau era o português Vasco Passeira, com escritório em Macau, que contactou as autoridades portuguesas com o objectivo de conseguir a suspensão da pena de morte e substituição desta por uma pena de prisão, mas o caso passou a ser depois acompanhado por um advogado de Cantão. Este outro advogado disse à Lusa, no final de 2009, que aguardava a resposta do Supremo Tribunal Popular a um recurso que tinha apresentado em Março desse ano.

Cidadão chinês, diz a lei daquele país
Desde 2007 que as condenações à morte na China têm de ser validadas pelo Supremo Tribunal Popular, o que tem contribuído para reduzir o número de execuções, mas este país continua a ser considerado como o que mais aplica a pena de morte, sendo responsável pela maioria das registadas anualmente em todo o mundo.

A coordenadora do grupo para as relações com a China da Amnistia Internacional em Portugal, Maria Teresa Nogueira, em declarações ao PÚBLICO, explicou que desde que em 2009 foi conhecida a sentença de Lau Fat Wai que tanto o Governo e o Parlamento português como a AI fizeram diligências consecutivas para tentar reverter a decisão da pena de morte – tanto quando o titular da pasta dos Negócios Estrangeiros era Luís Amado, como já com Paulo Portas.

A embaixada da China em Portugal e a embaixada de Portugal em Pequim também foram envolvidas no assunto. E existiram ainda tentativas, por exemplo, por parte do deputado Ribeiro e Castro em 2011; da presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, em 2012; do deputado Alberto Martins; ou do secretário do PS para os assuntos internacionais, João Ribeiro, entre muitos outros. A lamentar, a coordenadora tem apenas a ausência de resposta, a pedidos da AI, por parte do Presidente da República, Cavaco Silva; do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso; e do ex-primeiro-ministro José Sócrates.

Maria Teresa Nogueira adiantou que em Janeiro de 2012 foi lançada uma acção urgente a nível internacional pela AI, assinada por todos os países, e em que se “pediu ao Supremo Tribunal Popular e ao chairman do Congresso Nacional Popular da China que Lau Fat Wai não fosse executado”. Já em 2011, aquando de uma revisão do Código Penal no país, se tinha tentado nova abordagem. Contudo, a partir de finais do ano passado, o caso por ser “muito delicado” passou a ser tratado em exclusivo pela secção internacional da AI em Hong Kong, por se considerar que as querelas poderiam ser prejudiciais.

A coordenadora adiantou que um dos argumentos invocados foi não haver pena de morte em Portugal nem em Macau, onde vivia Lau. O problema é que a detenção ocorreu já na China continental, o que dificultou todo o processo, além de que o país não reconhece a existência da dupla nacionalidade. Maria Teresa Nogueira confirmou que também souberam da execução apenas agora, pelo jornal Ponto Final.

Questionada sobre o que poderá ter falhado perante tantos contactos diplomáticos, Maria Teresa Nogueira disse que infelizmente é o mais comum. “A China é o país do mundo que mais executa, seja para intimidar, seja para assinalar acontecimentos notáveis. Muitas das execuções não são publicitadas, mas mesmo assim [o país] é responsável por 80% das execuções confirmadas”, disse, salientando o “medo” que existe entre a população e considerando que não é por acaso que não são conhecidas as reacções da família de Lau após a execução.

Falando da sua experiência sobre estes temas e não em nome da AI, Maria Teresa Nogueira sublinhou que é “hábito que a China, enquanto está a negociar e tem interesses num país, pareça pretender ir ao encontro do que é pedido ou sugerido e que depois não cumpra”. Como exemplos dá o caso dos Jogos Olímpicos ou a libertação de dissidentes aquando de negociações com os Estados Unidos para a Organização Mundial do Comércio. Ora, muitos deles foram de novo perseguidos após o acordo. No caso de Portugal, lembra que a execução acabou por se dar depois de concluídas as negociações para a venda da EDP e da REN.

Adoptado por família em que a mãe era portuguesa
Lau Fat Wai nasceu em Cantão e foi adoptado por uma família chinesa de Macau – a mãe tinha nacionalidade portuguesa e deixou um filho, também com nacionalidade portuguesa.

Lau obteve, pela última vez, no consulado geral de Portugal em Macau, o passaporte português a 29 de Outubro de 2003 e o bilhete de identidade a 2 de Fevereiro de 2004, mas, ao contrário das autoridades portuguesas, as chinesas não reconhecem a dupla nacionalidade, considerando-o, por isso, como um cidadão chinês.

Em Fevereiro de 2012, um ano antes de Lau ter sido executado, a presidente da Assembleia da República, Maria Assunção Esteves, emitiu um comunicado em que se manifestava contra a condenação do cidadão sino-português e reuniu-se com o embaixador português em Pequim, tendo-se manifestado "optimista" quanto ao desfecho do caso.

Notícia corrigida às 14h28. Corrigido nome do jornal Ponto Final, que avançou a notícia.
 
 
 
 

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