Antes as filhas

Não é só a nossa alegria como a nossa paz que devemos a quem nasceu muito depois de nós.

É Agosto. Estou à espera do pôr-do-sol, numa esplanada sobranceira ao Oceano Atlântico. Tudo seria perfeito se não houvesse um homem, ainda mais gordo do que eu, a jogar ruidosamente num pseudo-iPhone.

A paisagem é magnífica mas o pii-pii-pum/bum-pii-pii-bong-tii-tii-pii-pum-pum do telemóvel estraga tudo.

Decido levantar-me e confrontar a besta. Não sou só eu: há duas dúzias de cúmplices agastados.

Regressa entretanto uma menina de 9 anos que tira o telemóvel das mãos do pai e diz, com toda a razão e todo o apoio do mundo: "Ó pai, que vergonha: desliga o som para não incomodares toda a gente!"

O pai, observado por todos nós, ripostou com prepotência e fascismo: "És uma ditadora!"

A filha respondeu, muito bem: "Eu nem sei o que essa palavra quer dizer". O pai respondeu, muito mal: "És pespirreta; és chata; não deixas ninguém divertir-se".

Que modelo de educação, aquele pai. O que vale é que a miúda não ligou nenhuma à aberrante reclamação. Ao contrário do pai, teatralmente sensível à reacção do público circundante, a filha era independente da multidão.

Salvou-nos todos do interminável "pii-pii-pum/bum-pii-bong" inflingido pelo grosseiro pai.

É mais uma prova da teoria mais antiga e cativante desde que o tempo e a humanidade se juntaram: cada geração é melhor do que a anterior.

É verdade. Não é só a nossa alegria como a nossa paz que devemos a quem nasceu muito depois de nós. Deus queira que também eles sejam igualmente recompensados.

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