A urgência de ver mais longe

O sistema educativo português tem revelado um desenvolvimento assinalável em diversos indicadores (abandono e sucesso escolar, taxa de escolarização, resultados académicos em provas internacionais…), mas continua refém de uma política que pode travar estes progressos ou até gerar regressões lamentáveis.

Um dos vértices desta política chama-se centralismo. O seu pressuposto maior é o de que é possível prever todos os problemas e decretar urbi et orbi a melhor solução. Os seus principais indicadores são a uniformidade, a padronização, a impessoalidade, o formalismo, o culto da hierarquia e a lógica da obediência. Filho do racionalismo iluminista e da desconfiança face à inteligência dos atores periféricos, o centralismo atrofia a liberdade de iniciativa, mina a criatividade, dificulta a justeza das soluções, sendo herdeiro de uma filosofia pessimista quanto às possibilidades da ação humana.

Já Antero de Quental na sua célebre conferência sobre a Causa da Decadência dos Povos Peninsulares incitava de modo veemente: “Oponhamos à monarquia centralizada, uniforme e impotente, a federação republicana de todos os grupos autonómicos, de todas as vontades soberanas, alargando e renovando a vida municipal, dando-lhe um carácter radicalmente democrático, porque só ela é a base e o instrumento natural de todas as reformas práticas, populares, niveladoras”

Precisamos de uma ousada reforma nos modos de conceber e realizar as políticas educativas e formativas. Uma reforma que vá além da retórica. A título de exemplo citemos a Resolução do Conselho de Ministros nº 15/2013 de 19 de março – tem já mais de um ano e nada aconteceu – que afirma solenemente: “Precisamente por assumir a descentralização administrativa como uma prioridade política e como um instrumento de desenvolvimento económico e social dos territórios e das populações, o Governo apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 104/XII, na qual se diz expressamente que “o Estado concretiza a descentralização administrativa promovendo a transferência progressiva, contínua e sustentada de competências em todos os domínios dos interesses próprios das populações das autarquias locais e das entidades intermunicipais, em especial no âmbito das funções económicas e sociais”. E nesta consequência, esta Resolução decide “1. Criar o Aproximar – Programa de Descentralização de Políticas Públicas. 2. Atribuir a coordenação política do Aproximar – Programa de Descentralização de Políticas Públicas ao Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares e a coordenação executiva à Secretária de Estado da Administração Local e Reforma Administrativa.”

Ora este programa, no que à Educação diz respeito, continua refém da mesma lógica de inibição das vontades e potencialidades locais, optando por eleger os contratos de autonomia com as escolas como o instrumento por excelência do reforço do centralismo. A criação de uma direção geral dos estabelecimentos escolares é, a este propósito, paradigmático da lógica de dominação e de controlo sendo os ditos contratos uma mera encenação e uma pura perda de tempo. Deveria haver limites para hipocrisia organizada e para a ação insensata.

Entretanto, fontes próximas do Governo afirmam que o Programa Aproximar não tem condições de concretização no âmbito da Educação porque o CDS não quer promover a descentralização política e administrativa porque tem escassa presença nos municípios e prefere comandar e dominar a partir do centro. A ser verdade, como tudo o indica, é mais uma forma de um pequeno partido parasitar o aparelho do Estado e de aí traficar as influências, para além de revelar uma óbvia debilidade de coordenação política ao nível do poder executivo.

Precisamos de ver mais longe e descentralizar de modo efetivo as atribuições e competências no campo da educação e formação. Precisamos criar os Projetos Educativos Municipais como instrumentos decisivos de regulação da educação a nível local. Precisamos de uma ação concertada e articulada a nível da oferta educativa e formativa local. Precisamos de uma liderança sociocomunitária que integre todos os parceiros que têm um contributo precioso a dar para a revitalização da educação. Precisamos de libertar as escolas de contratos leoninos que são puro engodo. Precisamos de ativar localmente a possibilidade de outra escola e outra administração da educação. Como referia recentemente António Nóvoa, “há mais educação para além da escola. Hoje, precisamos de reforçar os laços entre a escola e a sociedade e assim renovar um compromisso social em torno da educação. É uma mudança decisiva, que exige uma efetiva capacidade de decisão das pessoas, das autarquias e das instituições no interior deste espaço público da educação.”

O Programa Aproximar era uma oportunidade de ouro para ousar esta mudança. Estaremos todos reféns de uma ação política que se alimenta do statu quo?

Director Adjunto da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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