Tive uma ideia!

O nosso maior problema não é a falta de ideias. É a capacidade para mobilizar um país onde anda toda a gente cansada e descrente.

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1. A minha ideia é muito simples: proibir os comentadores políticos, os políticos comentadores, os jornalistas (entre os quais me incluo), os analistas, os académicos e, em geral, os políticos de pronunciarem a palavra “ideias”. Também poderia aconselhar a que usassem com mais parcimónia outras duas: “alternativa” e “consenso”. São uma espécie de bengalas a que todos nos apoiamos no debate público, quando não sabemos muito bem o que dizer.

De tanto as usarmos, perderam significado e induzem as pessoas em erro. Uma ideia sobre o país que queremos ser na Europa e no mundo é necessária. “Ideias” que toda a gente reclama com particular insistência aos dois homens que disputam a liderança do PS, isso é que não ajuda muito ao debate. Pode e deve ter-se uma ideia sobre como podemos colectivamente sair desta crise com soluções que não passem apenas pela austeridade militante, apresentada pelo Governo como a única forma de nos mantermos no euro. Essa ideia passa, naturalmente, por soluções que exigem compromissos políticos e sociais, que devem ser conseguidos através de um pacto a médio prazo que una os dois maiores partidos naquilo que é essencial para nos mantermos um país europeu. Foi isto que Seguro e Passos não conseguiram fazer. Passos porque era “um homem com uma missão” que afastava a possibilidade de quaisquer cedências – vem agora falar de consensos, sabendo que o PS não lhe pode responder, e anunciar (pasme-se) que temos de regressar ao “pleno emprego”. Seguro, por ser demasiado fraco: muito hábil a gerir os silêncios (foi na sombra que garantiu a sucessão de Sócrates), muito inábil a ter uma ideia que inspire confiança nas pessoas e a partir da qual a discussão seja possível.

2. A culpa não é só deles. Todos reclamamos “ideias”, “alternativas”, “programas”. É fácil e fica bem. O problema é que, depois, são quase exclusivamente os sound bites que reproduzimos nos órgãos de comunicação. As coisas correm tão depressa que não há tempo para mais. Andei um pouco afastada da “palpitação” política nos últimos tempos. Retive uma frase de Paulo Portas, porque me entrou à força pelos ouvidos adentro, de tal maneira foi repetida: “Alto e pára o baile”. Confesso que já não sou capaz de reconstituir o contexto. Ouvi as últimas ideias de António José Seguro, especialista em ter “ideias”, que mostram como ele, de facto, não tem uma ideia. Sacou não se sabe de onde a redução dos deputados a 180, acreditando que o povo apreciaria. Já não fala nisso. Ouvi Seguro a dizer que era preciso renegociar a dívida, coisa que assumiu pela primeira vez. É uma ideia que apenas se pode pôr em prática no contexto europeu. Mas Seguro também disse que esteve três anos a não dizer o que pensava, e que agora já pode dizer. E o que pensava Seguro? Que nunca assinaria o memorando com a troika; que vai repor o Estado social, desmantelado pelo Governo; e, finalmente, a cereja em cima do bolo, que vai repor os salários dos funcionários públicos e dos pensionistas. Está certamente noutra galáxia. O que me pareceu mais espantoso (e posso estar a ser injusta por falta de atenção) foi que a única pessoa que vi indignar-se com esta barbaridade de ter um líder da oposição que só agora diz que vai dizer o que pensa foi Manuela Ferreira Leite na TVI24. Dizer isto é obviamente repetir a táctica do Governo de fazer de Sócrates a justificação para todos os males da pátria. Se, em Passos, já era de mais, imagine-se o que isso significa para o Partido Socialista. Podia ter criticado os aspectos mais negativos, não podia apontá-lo como o mau da fita que ele próprio, enquanto tecia a sua rede de fidelidades interna, nunca contestou. Se somarmos o episódio do cartaz que apelava à eleição do candidato a primeiro-ministro e que, por sinal, viola as regras constitucionais do país (cabe ao Presidente escolher o primeiro-ministro levando em conta o partido mais votado), percebemos o que pensa a liderança socialista: que vale tudo para ganhar um combate que tinha garantido evitar com a blindagem dos estatutos, os mesmos que agora passou a ignorar, recorrendo a “primárias” que, que eu saiba, não estão lá previstas. E nem vale a pena vir com o exemplo do Partido Democrático italiano, que resulta da fusão de várias correntes políticas de esquerda e centro-esquerda autónomas, que emergiram depois do colapso do Partido Socialista (no início dos anos 90), e que surgiram depois de um longo debate político e não de surpresa. Sobre a Europa, por mais ideias que o actual líder socialista tenha, o que nos ficou mais recentemente na memória foi o seu “sobrolho franzido” quando o Presidente Hollande fez o seu discurso de Ano Novo, com um programa muito mais realista para dinamizar a economia francesa.


3. António Costa é bastante mais prudente, mas também tem muito menos a provar. Tem sido capaz de fazer compromissos sem grande alarde, mas muita eficácia; tem uma longa carreira pública que lhe ensinou como são as coisas na realidade; e goza hoje de uma credibilidade que Seguro não tem e que lhe permite não entrar no “concurso tenha uma ideia por dia”. Um líder pode ir buscar as ideias de que precisa a quem tem por vocação pensá-las: e há algumas, felizmente, por aí. Não no interior das máquinas partidárias, mas, ainda assim, nas instituições que se dedicam a pensar os problemas do país – nacionais e europeias. A partir daí, pode construir um programa que faça sentido. Costa sabe também que o maior e mais difícil dos compromissos é aquele que vai ter de se encontrar na União Europeia para garantir uma viragem política que nos seja mais favorável. As alternativas apenas podem ser encontradas neste contexto. Vai continuar a ser pressionado para apresentar “ideias”, seja o que for que isso signifique. Mas é conveniente lembrar que ninguém ligou ao programa de governo que Seguro tirou da gaveta durante a campanha para as europeias para mostrar que tinha muitas ideias. A sua maior vantagem é a capacidade de mobilização das pessoas que ainda querem acreditar que o pais tenha um futuro um bocadinho mais cedo do que daqui a 20 anos.

Ao Presidente parece que já só lhe sobra uma ideia, que não tem força para impor aos principais actores políticos e que, precisamente, tornou a palavra “consenso” outra candidata ao banimento. É o Presidente com a aprovação popular mais baixa de sempre na democracia portuguesa. Nunca sabemos de que é que vai falar nas suas intervenções oficiais: se da agricultura, se dos jovens, se de outra coisa qualquer. Iniciou uma “fuga para a frente” cujo propósito parece ser apenas tentar garantir um legado menos mau em Belém ou matéria para o prefácio dos seus próximos Roteiros: mostrar que bem tentou o “consenso” que a pátria exigia, mas que não foi culpa dele se as suas tentativas falharam.

Creio que o nosso maior problema não é a falta de ideias. É a capacidade para mobilizar um país onde anda toda a gente cansada e descrente, preferindo fechar-se nos seus pequenos privilégios a contribuir para um bem comum que nunca ninguém lhe explicou convictamente. Passos e Seguro falharam. Cavaco também. Vamos ver de que é capaz António Costa.

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