Sondagem ao “novo ciclo” pré-legislativas

Em quinze dias, a imagem do país político mudou. O caso Tecnoforma, as primárias no PS, o Congresso do Livre, o lançamento do PDR vão dar ou não origem a um novo ciclo político?

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É hoje lançado um novo partido, o Partido Democrático Republicano, liderado por Marinho e Pinto, no mesmo dia em que o Livre de Rui Tavares realiza o seu primeiro Congresso e oito dias depois de António Costa ter sido eleito candidato a primeiro-ministro pelos militantes e simpatizantes do PS, restando agora a sua eleição formal como secretário-geral em eleições directas.

Numa semana, uma série de acontecimentos parece mudar a imagem do país político. Isto depois de ter voltado a ser notícia o caso da Tecnoforma, em que o primeiro-ministro se viu envolvido. Invocando o funcionamento das instituições, Passos Coelho remeteu a investigação para a Procuradoria-Geral e apenas se explicou perante o Parlamento, avançando com os argumentos de defesa que lhe assistiam. Mas o resultado final pode ter sido um desgaste da imagem do primeiro-ministro.

Como diz Pedro Adão e Silva, sociólogo e professor do ISCTE, que no passado integrou a direcção do PS com Ferro Rodrigues, nos últimos dias “ocorreram e coincidiram mudanças que em conjunto se traduzem numa mudança profunda, são desligadas mas têm efeito em conjunto”. Por isso, o PÚBLICO questionou vários analistas sobre o significado e o alcance que estas mudanças podem ter no futuro político do país no ciclo pré-legislativas nos próximos meses. E no qual as evoluções e sobretudo as soluções dependerão, é certo, do que se passar na União Europeia.

“Há também um factor externo que aumenta a volatilidade e a indefinição sobre que soluções serão encontradas” em Portugal, afirma o antigo dirigente do PS e ministro das Obras Públicas de António Guterres, João Cravinho. “A Itália e a França dizem que não podem aguentar-se política e economicamente com os critérios de cumprimento do défice e com o respeito pelo Tratado Orçamental. E Mario Draghi tem defendido um novo papel para o BCE. Estas questões serão um teste a Jean-Claude Juncker”, defende Cravinho, lembrando que “são coisas que não se sabe como irão evoluir, nem como Portugal deverá agir”.

A credibilidade de Passos
O caso Tecnoforma levantou dúvidas sobre Passos Coelho que podem ter abalado a sua credibilidade junto da opinião pública. Para Paulo Teixeira Pinto, ex-dirigente do PSD e ex-membro dos governos de Cavaco Silva, este “é um assunto que é desagradável porque era daqueles que era impensável ser levantado”.

Paulo Teixeira Pinto não hesita em afirmar: “Tenho confiança absoluta no primeiro-ministro, que considero uma pessoa de integridade.” E sublinha que, em sua opinião, este caso “não terá efeitos”. Até porque não acredita que “o PS vá usar esse tipo de argumentação”. Para mais, quando “António Costa foi vítima de acusações na campanha, não irá fazer isso”.

Por sua vez, Ângelo Correia, antigo dirigente e antigo ministro pelo PSD, sustenta que se tem visto “levantar muitas insinuações sobre pessoas e que depois não têm razão de ser”, pelo que considera “prematuro fazer qualquer análise sobre a imagem que a opinião pública faz deste caso”.

Para Ângelo Correia, “a grande questão para o Governo é a erosão da classe média”, uma vez que “é a classe média que está a pagar a factura da crise”. E até às legislativas “o PS pode tentar atrair a classe média”, enquanto “o PSD e o CDS terão grande dificuldade em a reganhar”.

Adão e Silva contrapõe um outro ângulo de análise no que toca às consequências do caso Tecnoforma na imagem de Passos Coelho. “O problema do primeiro-ministro é a forma como respondeu as primeiras vezes”, afirma este sociólogo, argumentando que “ficou criada a imagem, ficou ferida a imagem do primeiro-ministro imune à promiscuidade entre negócios e política”. E conclui: “A imagem do primeiro-ministro que vive em Massamá, vai ao supermercado e passa férias em Quarteira foi ferida.”

João Cravinho admite que “tudo prescreveu”, mas adverte: “O que está em causa é termos alguém que mereça confiança. É a tal pergunta que se fazia sobre Nixon [depois do caso Watergate]: ‘Você comprava um carro a este homem?’. Nos momentos de crise, o carácter é o mais importante num político. Churchill ganhou a guerra também porque tinha carácter.”

Condicionar a AR
Todavia, João Cravinho lembra um outro facto recente que é “outro factor interno” com influência na imagem do Governo e da maioria do PSD e do CDS. “Não é só Passos a ter pés de barro, também o Parlamento através da maioria.” E explica: “Refiro-me ao que está a acontecer no inquérito sobre armamentos. A maioria condicionou a apresentação de provas. E não hesita em apagar a missão da comissão e deturpar as regras democráticas.” Cravinho aponta também o dedo à oposição que, em seu entender, “tem andado mal e colocado em cheque a própria democracia”.

E, peremptório, defende: “A oposição devia retirar-se da comissão de inquérito e denunciar a situação perante o plenário e a presidente da Assembleia da República, assim como denunciar ao Presidente da República este gravíssimo atentado ao funcionamento das instituições democráticas, em que se usa a comissão para não apurar nada.”

Já o dirigente e deputado do CDS João Rebelo acrescenta um outro facto que, na sua opinião, é prévio e central na mudança da imagem e da atitude do Governo. “O factor que alterou o quadro político foi o facto de o PSD e o CDS terem percebido que o Governo vai até ao fim, esta percepção deu a ideia de que a missão está cumprida” no momento em que se concluiu o memorando da troika, a 17 de Maio, defende.

Precisando, João Rebelo acrescenta que “isso fez com que em Junho se iniciasse internamente um debate sobre a coligação”, e para muitos responsáveis do PSD e do CDS, “a sensação da missão cumprida deu ideia de que era melhor os dois partidos irem sozinhos a eleições”, abrindo uma “questão que tem de ser definida rapidamente após a aprovação do Orçamento do Estado para 2015, em Novembro.”

Ainda segundo João Rebelo, para os partidos da maioria, “ficou claro que António Costa não é imbatível”. Isto porque “ele mostrou fragilidades e mostrou que não está à vontade para apresentar um projecto de Governo”, considera João Rebelo, que sublinha: “A ideia de que não é imbatível dá ânimo ao PSD e ao CDS.” E acrescenta que “vai haver um protelar de decisões até à aprovação do OE, no Governo e no PS, pois Costa vai querer mostrar que existe e é diferente”.

O efeito Costa
De todos os novos factos “a mudança mais marcante é a no PS”, defende Adão e Silva, lembrando que “havia a ideia de que iria ficar fragilizada a imagem de Costa como líder eleito em primárias”. Ora, “o efeito foi o contrário”, sustenta este ex-dirigente do PS, argumentando: “Com uma vitória esmagadora, António Costa ganha uma autonomia que não tinha. Ganha autonomia em relação aos próprios apoiantes, tem afirmação externa e o capital acrescido de 170 mil votantes nas primárias.”

Do mesmo modo, Paulo Teixeira Pinto considera ser “objectivamente incontornável que se abre um novo ciclo com António Costa, pela sua personalidade e consistência”, mas também “por ter sido eleito em primárias com um resultado que não pode ser separado do que ele teve em Lisboa nas autárquicas”. E conclui. “A aparência que se cria é a de um vencedor. Mal andará quem pense que o que se passou no PS é só uma mudança de cara.”

Também Ângelo Correia afirma que “a existência de um novo líder no PS é real e a opinião pública tem em consideração estas novas circunstâncias”. Este antigo dirigente do PSD considera mesmo que “a vitória de Costa mostra que o PS não fica em cacos, o núcleo histórico está consolidado em torno de Costa” e o grupo de Seguro irá ser integrado.

Contudo, Ângelo Correia questiona-se sobre o caminho que Costa pretende seguir. Isto porque “uma das definições que são omissas na política é a definição de estratégia”. E sustenta que “é tão importante ter uma ideia, como saber como ela se concretiza com a limitação de soberania e a limitação financeira” em que Portugal vive. E insiste: “Temos de saber como agir. Isto pode ser escamoteado por Costa, mas não é bom para o país. Se for clarificado, Costa pode não ter os votos que pretende. Mas se há perspectiva de acção a dez anos é inevitável que haja estratégia.”

A incógnita: coligações
No âmbito das definições exigíveis a António Costa, Ângelo Correia considera que “o posicionamento em relação ao futuro é fundamental”, nomeadamente no que toca a coligações e acordos de Governo. “Costa poderá olhar para a esquerda, mas ele sabe que coligações e acordos parlamentares” com os partidos à sua esquerda “não funcionam por dois temas: a participação na Europa e no euro e o cumprimento das regras que foram impostas a Portugal”. E sustenta que está impedida a “ligação à esquerda” a nível partidário, advertindo, porém, que isso “não invalida as relações com as franjas e com partidos emergentes”, uma vez que estes “ainda não têm discurso de contestação com a pertença europeia.”

Assim sendo, Ângelo Correia conclui que, no caso de “o PS a não ter maioria absoluta, fica em aberto a possibilidade de uma coligação à direita.” E vaticina: “Do meu ponto de vista, vai falar com o PSD. Tenho dúvidas se falará com o CDS e que o CDS o queira. Se Costa se articular com o PSD, o CDS pode querer ir para a oposição.” A hipótese de um renascer do Bloco Central é admitida por João Rebelo: “Pode haver pressão para coligação do PS com o PSD.”

Mais recuado é Adão e Silva para quem “tudo o que se diga sobre coligações é puramente académico e especulativo”. E sublinha que “só depois da eleição e mediante os resultados se saberá que coligações são possíveis”. Para mais quando, “o Presidente da República estará em final de mandato e os candidatos a Presidente estarão no terreno”.

As incógnitas sobre o que será o resultado das legislativas e a política de alianças são engrossadas, de acordo com João Rebelo, pelo aparecimento de novos partidos que tornam “tudo muito volátil”, pelo que “ninguém quer definir projectos e ideias”. O deputado do CDS vê até “semelhanças com 1985, quando a liderança do PSD mudou e o PRD apareceu”. Por isso, João Rebelo adverte: “O aparecimento de novos partidos pode ter peso face ao descontentamento, pode desestabilizar a distribuição de mandatos no Parlamento.”

O peso dos novos

Menos preocupado com os novos partidos está Adão e Silva. “Tem sido dito que há um afastamento dos partidos do arco da governação em relação aos eleitores”, lembra este ex-dirigente do PS, concordando que “as autárquicas e as europeias mostraram que esses partidos não estavam alinhados com o sentimento dos eleitores”.

Mas Adão e Silva defende que “as eleições primárias mostraram que há mecanismos e formas de alinhar o eleitorado com escolha que partidos fazem”. E, desta forma, houve “uma correcção da fraqueza que existia”. Por isso, considera que “o Livre e o PDR, sendo fenómenos novos, têm menos margem de manobra, do que se o PS tivesse eleito o novo líder tradicionalmente, só em Congresso”. Até porque, prossegue, “o Livre viveu do eleitorado frustrado do PS”, que tudo indica “vai regressar ao PS”. E prevê que o “Livre vai ter de se afirmar junto ao eleitorado do BE”, concluindo que “numa altura em que o BE se está a fragmentar é impossível que o Livre e o 3 D não se entendam”, pois, muito provavelmente esse desentendimento “inviabiliza os dois”.

Igualmente Paulo Teixeira Pinto sustenta que “o Livre enquadra-se na tendência de fragmentação do BE, segue o desvio neste partido e o abandono de pessoas, depois da morte trágica de Miguel Portas que parecia ter uma capacidade acima das partes”. Assim, afirma este ex-dirigente do PSD, “quer o Manifesto, que junta Ana Drago e Daniel Oliveira, quer o Livre”, embora disputem “o espaço com o BE”, irão ver “os votos ir para o PS, António Costa vai polarizar a alternativa ao poder”.

Quanto ao novo PDR de Marinho e Pinto, Adão e Silva sustenta que “há espaço eleitoral para um partido que assente na regeneração do sistema”. Mas adverte: “Isto se Marinho e Pinto sobreviver às doses de autodestruição que inflige a si mesmo.” Menos optimista sobre o futuro do partido que é hoje lançado está Paulo Teixeira Pinto.

“Ainda bem que Marinho e Pinto faz o partido: ou se cristaliza o mito ou ele desaparece” afirma Teixeira Pinto, prevendo, porém, em termos eleitorais que “a surpresa vai ser inversa às europeias”. E vaticina: “Acho que ele se vai arrepender. Saiu de um partido ao fim de dois meses de eleito para o Parlamento Europeu. Funda um partido para concorrer à Assembleia da República, mas, e se correr mal, candidata-se a Presidente da República. É tudo à volta do ego. É mais um culto do eu, do que a expressão pública de uma política.”
 

   


 

   

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