Questão grega favorece Governo de Passos e moderação de Costa

A batalha entre a memória e a esperança dos portugueses, a tradicional dicotomia em tempo eleitoral, foi superada pelo receio das consequências ainda imprevisíveis de uma crise exógena.

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Passos Coelho na Aula Magna, em Lisboa, a 6 de Maio Nuno Ferreira Santos

No guião governamental, o final do primeiro semestre é apontado como tempo de redenção, antevê-se uma janela de oportunidade aberta por resultados ma-croeconómicos de conforto. Neste tabuleiro, um factor externo baralha os dados. Da solução encontrada na União Europeia (UE) para a questão grega depende, em boa medida, o sorriso de São Bento e a validação da prudência de António Costa.

“Há seis meses, o cenário de ruptura [de Atenas com a UE] não era contemplado”, analisa Carlos Gaspar, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI). “Se a ruptura acontece, o Governo português sai reforçado”, admite. “Um dos elementos centrais da argumentação do executivo tem sido não haver alternativa; caso surja um caminho mais brando para a Grécia, ficam em causa as políticas de austeridade, a questão grega não é inocente para o Governo”, afirma Carlos Jalali, politólogo e professor da Universidade de Aveiro.

“O discurso de Bruxelas serve ao Governo, embora o PS, por não se ter associado às posições radicais em relação à União Europeia, tenha margem de manobra”, assegura Ana Rita Ferreira, professora de Ciência Política da Universidade da Beira Interior e do Instituto de Políticas Públicas. “A consolidação da ideia de não haver uma alternativa radicalmente diferente [à austeridade] favorece o Governo e fortalece o novo discurso socialista, há um PS antes e outro depois do relatório de Mário Centeno”, pondera António Nogueira Leite, catedrático de Economia e Finanças da Universidade Nova de Lisboa, referindo-se ao documento encomendado pelo Largo do Rato a 12 economistas. “É um programa clássico de voltar a pôr dinheiro nas mãos da classe média”, comenta a politóloga.

Um relatório criticado pelas forças à esquerda do PS, que o consideram uma ponte para um futuro bloco central. A propósito, a professora da Universidade da Beira Interior recorda o discurso prudente do secretário-geral do PS após a sua ronda informativa pelas capitais europeias. “António Costa nunca pôs em causa o tratado orçamental, o que outros partidos de esquerda fizeram”, recorda Ana Rita Ferreira. “Nem falou da reestruturação da dívida, pelo que foi muito criticado, o que lhe dá margem de manobra face ao caso grego”, sustenta.

A Grécia é um marco
A eclosão da crise grega é um fenómeno exógeno a Portugal. Mas ilustra uma nova fase de fazer política no seio da UE e confirma níveis de dependência até agora impensáveis. “É raríssimo um factor externo influenciar tão decisivamente a política interna”, reflecte Carlos Gaspar. Avaliar as suas repercussões é um risco, porque dependem do teor e densidade da solução encontrada com Atenas. Mas o calendário das decisões — em Junho

Julho — tem a inexorabilidade dos prazos fixos e ocorre em plena campanha pré-eleitoral portuguesa. A volatilidade da presente situação torna obsoleta a encenação do relógio digital que Paulo Portas mandou instalar na sede do CDS/PP no Largo do Caldas, que fazia a contagem decrescente do tempo para o fim da assistência financeira externa. E torna, no mínimo, voluntarista o contentamento de quando todos os marcadores chegaram a zero.

Daí que o discurso actual da maioria, que neste sábado à noite celebrou com um jantar em Guimarães a saída da troika, esteja apegado a esta realidade. “Na sessão da Aula Magna de Lisboa [6 de Maio] Passos Coelho disse que o pior já passou, mas referiu o perigo de as coisas correrem mal, o que reforça o peso do caso grego”, lembra Carlos Gaspar.

“A maioria afirma que as coisas não vão ser como dantes, há um antes e um depois, que não há alternativa à política de rigor das contas”, corrobora Carlos Jalali.  Se ocorrer uma tragédia grega, há a tentação do “eu ou o caos”.

“O discurso de Passos Coelho é inteligente, se quisesse vestir outra pele perderia a credibilidade, ao fim de quatro anos de sacrifícios tão fortes não pode simplesmente inverter a estratégia”, assinala Ana Rita Ferreira. “É verdade que a troika saiu, que há mais autonomia, mas ainda não há a inversão das políticas de austeridade, dizer o contrário é não ter adesão à realidade”, acrescenta. “Do pós-troika, o que se realça foi não ter sido necessário um segundo resgate”, avança Carlos Jalali.

A gestão que o executivo fez destes 12 meses não foi linear. “A intervenção política do Governo sobre temas económicos continua a surpreender, porque é errático a tentar tirar partido da melhoria gradual da situação económica, devia haver uma linha de continuidade”, aponta António Nogueira Leite. O catedrático aponta um exemplo: “Nas exportações, era mais importante referir a sustentabilidade do processo, que implica investimento e conquista de mercados, do que celebrar números, pois há demasiada dependência da conjuntura.” 

“A conjuntura vai evoluir favoravelmente nos próximos meses, mas não sei se o Governo vai a tempo de a aproveitar. Os dados de Junho caem em cima das eleições e os cidadãos são sensíveis ao estado do seu bolso”, prossegue Nogueira Leite. A margem é estreita. “A percepção dominante é a do último ano, os dados económicos agregados podem demorar algum tempo a chegar aos bolsos dos portugueses”, refere Carlos Jalali. “O grande factor na determinação do voto é a avaliação do estado económico do país, o cumprimento do défice, o pagamento das dívidas, mas também a situação económica de cada um e, neste momento, tenho dúvidas de que haja uma conjugação do cumprimento dos cortes orçamentais com a situação pessoal, ainda não ocorreu esta inversão de trajectória”, assinala Ana Rita Ferreira. “Há um crescimento homólogo de 1,4%, mas a criação de emprego não está ao mesmo nível da destruição dos postos de trabalho”, observa.

Deste dilema fez eco, em 21 de Fevereiro do ano passado, Luís Montenegro. Em vésperas do 35.º Congresso do PSD, o líder da bancada parlamentar sentenciou: “A vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor que em 2011”. A formulação não foi a melhor, pois sugeria a existência de um país sem gente, de uma entidade quase volátil sem a substância do desemprego e de outros males sociais. Mas revelou prudência.

Muitos casos políticos
“A gestão do Governo nos últimos tempos ficou marcada pelo colapso do império Espírito Santo, que foi bem gerido e que o diferencia de anteriores executivos”, lembra António Nogueira Leite. A professora da Universidade da Beira Interior elenca dossiês que desgastaram o executivo. “A reforma da Justiça deixou os tribunais parados, a colocação dos professores foi um caos, há a privatização da TAP, os vistos gold”, enumera. “A experiência demonstra que as alterações das nossas vidas têm sido acompanhadas pelo deflagrar de muitos casos políticos que ocupam o espaço comunicacional”, refere Nogueira Leite.

Carlos Jalali não deixa de olhar para o outro prato da balança. “Os funcionários públicos têm mais dinheiro no bolso do que há um ano, ainda que menos do que há três”, afirma. “Quem não perdeu o emprego, quem sobreviveu, tem a expectativa de melhoras”, comenta o consultor Pedro Bidarra, ex-vice-presidente da BBDO. Daí, para o perito, a multiplicação de mensagens optimistas. Os “cofres cheios” de Maria Luísa Albuquerque são simbólicos porque proclamados por uma ministra que não se caracteriza pela prodigalidade.

Tudo se resumia, assim, “a uma batalha entre a memória e a esperança dos portugueses”, na dicotomia do consultor. Até que surgiu a questão grega.     

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