O que valem os programas

Palavras, palavras, muitas palavras. Nem os próprios partidos acreditam muito neles.

Os programas eleitorais são como os cardápios. Não têm de ter tudo, mas tem de parecer que não lhes falta nada. Daí ser tudo demasiado genérico, demasiado vago, demasiado déjà vu – como o bife à casa. Normalmente, o desafio e a novidade surgem dos partidos da oposição. Uns, porque se podem dar ao luxo de prometer tudo, visto que nunca serão chamados a prestar contas no governo; outros, como é agora o caso do PS, porque uma das suas armas principais é seduzir um eleitorado exausto pela austeridade, acenando-lhe com a ruptura nas políticas e a mudança de protagonistas. Daí um cheirinho a soluções inovadoras (o que não significa necessariamente que sejam as melhores) oriundas das hostes socialistas, como é o caso da descida da TSU; e o constante refúgio da coligação em “garantias” de efeito eleitoral tão duvidoso, como contraproducente na imagem de confiança que pretende transmitir. Exemplo: “Garantimos que o nosso país não voltará a depender de intervenções externas e não terá défices excessivos.” O texto, de 150 páginas, subscrito pela maioria PSD-CDS, também contém um sem-número de intenções de sentido aspiracional que colam ao programa o rótulo de falta de consistência. O exemplo mais flagrante é “o objectivo de longo alcance [de] que Portugal se torne uma das mais competitivas economias mundiais”.

Mas a verdade é que os programas eleitorais são mais elementos do folclore eleitoral do que o conjunto das políticas que realmente acabam por ser aplicadas ao longo da legislatura. Sempre foi assim, mas a célebre frase de Durão Barroso – “Os senhores [o PS] deixaram o país de tanga” – acabou com as dúvidas: os programas eleitorais não são para cumprir. Também ele ganhou as eleições a prometer baixar os impostos, um mês depois estava na Assembleia da República a tentar aprovar um “programa de emergência” para pôr em ordem as contas públicas. Com cortes e aumentos de impostos. A partir daí só aumentou a distância entre o antes e o depois do sufrágio, entre a promessa da campanha e a dureza das medidas reais. José Sócrates duas vezes e Passos Coelho há quatro anos só reforçaram a desconfiança. Passos, se pudesse, não apresentava programa eleitoral, escaldado que está com uma governação em que fez praticamente o contrário do que escreveu num livro de 2010, intitulado Mudar, cujo pensamento revelava um liberal moderno e pouco dado a medidas depressivas. Não é, por isso, de estranhar que tenha sido o próprio primeiro-ministro a baixar as expectativas, a referir a falta de novidades, a chamar a atenção para o facto de que os objectivos e as metas verdadeiramente importantes constam do Pacto de Estabilidade há meses enviado para Bruxelas. António Costa fez o oposto: rodeou-se de especialistas, mandou fazer contas e pôs os números ao lado das propostas. Em busca da credibilidade perdida do seu partido. Mas no fim o que vai valer mesmo é o programa de governo que o partido vencedor a 4 de Outubro apresentará no Parlamento. Então se verá se há ou não desculpas da tanga.

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