O incómodo dos partidos na comissão dos estaleiros

Relatório foi enviado para a PGR por os deputados terem ficado surpreendidos com aspectos contratuais da encomenda do Atlântida.

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A tomada de posse da comissão de inquérito, presidida por Maria de Belém Nuno Ferreira Santos

Na última reunião, na passada quarta-feira, a maioria considerou que não havia justificação para a constituição da comissão parlamentar de inquérito para apuramento das responsabilidades pelas decisões que conduziram ao processo de subconcessão dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), como foi designada oficialmente.

Apesar das conclusões referirem a necessidade de investigação judicial sobre aspectos do contrato entre os estaleiros e a Atlânticoline, o armador público açoriano do Atlântida, e do processo ir ser enviado para a Procuradoria-Geral da República (PGR). PSD e CDS/PP entraram na comissão com o objectivo de demonstrar a inevitabilidade da decisão governamental da subconcessão. Foi manifesta a sua incomodidade perante questões que desviassem a coligação deste caminho. Mas o seu incómodo não foi o único.

A designação da comissão pretendia circunscrever o inquérito à fase terminal dos ENVC. Os limites temporais assim impostos olvidariam o histórico dos estaleiros de Viana, amputando aspectos essenciais da suja existência Contudo, os depoimentos, dados, relatórios, auditorias e trabalhos jornalísticos (PÚBLICO de 27 de Abril) permitiram desenhar um quadro mais vasto. Um caso extremo, sem dúvida, um mau exemplo da gestão da coisa pública em Portugal.

Com o Ministério de José Pedro Aguiar-Branco sob fogo pela subconcessão, o Governo insistiu ser esta a única solução. A maioria partiu com a certeza da inevitabilidade e impôs a sua lógica nas conclusões. A abertura de um processo por parte da Direcção Geral da Concorrência de Bruxelas a ajudas públicas aos estaleiros, primeiro estimadas em 400 milhões de euros e mais tarde avaliadas em 181 milhões, é parte chave dessa argumentação. Inviabilizou o processo de reprivatização e impôs a subconcessão.

Nos trabalhos da comissão não ficou estabelecida esta inevitabilidade. Aliás, o ministro da Defesa, na sua audição, admitiu não haver então qualquer decisão de Bruxelas. Houve depoimentos contraditórios. Informações de teor diferente e ficou a ideia de que o executivo de Pedro Passos Coelho não quis litigar na Comunidade. Também aos estaleiros de Vigo foram quantificadas ajudas de Estado - na versão de Bruxelas de dois mil milhões de euros - mas o Ministério da Indústria de Espanha negoceia com outro valor: 126 milhões. O executivo fez ainda passar a mensagem que a devolução do dinheiro era de Portugal a Bruxelas, quando se viesse a ocorrer, seria entre os ENVC e o Estado.

A maioria pretendeu evitar o ónus de encerrar os estaleiros pelas suas crescentes dificuldades. Que foram aumentando ano após ano, conselho de administração atrás de conselho de administração, governo a seguir a governo. Neste aspecto, nenhum partido ponderou da utilidade da Empordef, a holding pública de indústrias de defesa, que controlava os estaleiros, ter a tutela dos ministérios da Economia ou Indústria e não da Defesa, como tem. A acção dos primeiros obedece a critérios de eficiência e competitividade, ou seja, de gestão pura e dura.

Para a classe política, o futuro dos ENVC foi tema tabú, o que a culpabiliza pelo seu alheamento. O que ficou claro com a sucessão de planos de reestruturação que nunca foram implementados , com as sucessivas administrações e uma continuada degradação da empresa. Esta questão está implícita em conclusões da comissão, mas os deputados não tiveram a ousadia de ir mais longe. Quer pelos limites temporais da sua análise, quer pelo sempre temido “mea-culpa”.

Também as forças sindicais não actuaram em devido tempo, o que motivou o incómodo detectado no PCP e BE, perante uma inusitada divisão da classe trabalhadora: quando a comissão de trabalhadores esgrimia em Bruxelas contra a classificação como ilegais das ajudas de Estado, a União dos Sindicatos de Viana do Castelo reunia com o ministro Aguiar-Branco e avançava no acordo social com rescisões de contratos a caminho da subconcessão. Um confronto entre novos trabalhadores e velhos operários, entre menos remunerações e maiores rescisões, que é exemplo de um novo tempo nas relações de trabalho em Portugal.

Os deputados não pediram esclarecimentos adicionais ao quadro vago e impreciso  com que os responsáveis da Empordef avaliaram os custos do encerramento dos ENVC: entre 250 a 300 milhões de euros. Nem indagaram se estas balizas se confirmam.

Em vários aspectos analisados da vida dos ENVC foi detectada a influência política. Não, apenas, pelo crivo das nomeações das administrações pelos governos, mas pelos interesses políticos regionais num círculo eleitoral importante e de alguma volatilidade. O relatório aborda sucintamente a questão com a prevenção de quem pisa um terreno minado.

Foi assim que, contra as evidências da mera lógica, a maioria relativizou a importância para o desfecho dos ENVC do fim das encomendas militares, decretadas pelo Ministério da Defesa no âmbito das medidas de austeridade. Quando, já mais à vontade, assumiu a certidão de óbito que o desastroso negócio dos estaleiros de Viana com a Atlânticoline representou para aquela empresa. Desta vez, o incómodo foi para o PS que, então, liderava os dois executivos que tutelavam as duas empresas públicas. Pelo facto incompreensível, a não ser por cálculos políticos de curto prazo, de não ter havido acordo.

Choca a facilidade com que os ENVC abdicaram da sua faculdade de litigar as condições do armador. Surpreendem aspectos do “modus operandi” de alguns contratos. Tão inesperados eram, que os deputados admitiram ser necessária uma investigação em sede judicial, e enviaram o seu relatório para a PGR. No entanto, não quisera ouvir o vogal da Comissão de Administração mandatado para o acordo com os açorianos da Atlânticoline.  

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