Na unificação com alguns, a esquerdização do PS

Regresso, mas não pela primeira vez, a militante de base. Porém, desta fui “vetado” para os órgãos do PS, isto apesar de ter sido indicado por Álvaro Beleza para a Comissão Política Nacional na base de um acordo pacificador das facções internas amplamente divulgado, que evitou mais do que uma candidatura a secretário-geral. Não fui o único. Em Coimbra conheço pelo menos mais dois, António Paredes para a Comissão Nacional e José Manuel Ferreira da Silva para a Comissão Nacional de Jurisdição. Bem se sabe porquê. Unir o PS é um esforço de todos, sem exclusões, e não apenas a unificação com alguns. Poderia desenvolver as motivações com base em factos, mas isto pouco interessa aos cidadãos; o que verdadeiramente interessa nesta quadra natalícia é conhecer e distinguir os lobos que vestem pele de cordeiros.

O XX Congresso do PS desenvolveu-se num quadro politicamente delicado. Por um lado, o PS tinha a necessidade de mostrar para o exterior que estava unido, politicamente forte e eleitoralmente mobilizador, que as recentes divergências internas estavam ultrapassadas e, por outro lado, a delicada situação pessoal de José Sócrates pairava sobre os congressistas. Globalmente, António Costa saiu bem, com força e boa imagem televisiva. Mas não houve debate político e aos que o pretendiam fazer impediram-nos habilidosamente de intervir.

Percorri a Agenda da Década transformada em moção de António Costa, aliás aprovada por unanimidade e, tal como António Costa o afirmou, não é um Programa de Governo, porque se o fosse seria preocupante. Um Programa de Governo não pode partir de premissas florescentes, tem de partir da inventariação da realidade, no pleno conhecimento do caminho percorrido e das políticas que conduziram aos dias de hoje. Não podemos secundarizar a sustentabilidade das finanças públicas e as limitações resultantes do excessivo endividamento, que condicionará qualquer Governo dos próximos 20 anos. Os erros só poderão ser corrigidos se forem devidamente identificados, porque se assim não for, continuarão a persistir até que os credores que desconfiam do comportamento de risco dos devedores se imponham num “não!”. A não ser que, entretanto, Juncker assuma: rasgar o tratado orçamental; ignorar as dívidas soberanas dos Estados-membros; adoptar medidas proteccionistas radicais. Bem sabemos que há uma certa extrema-esquerda ainda a sonhar, mas na realidade não passará de um sonho, sob pena de assistirmos ao desmoronamento do projecto europeu ou de termos uma Europa em colisão com os restantes continentes.

Reforçar a primazia da política é também, e sobretudo, devolver a esperança aos portugueses, mas uma esperança, como se diz na minha aldeia, com os pés assentes na terra. E é com os pés assentes na terra que assisto à esquerdização do PS. O PS é um partido de esquerda, mas de uma esquerda moderada, se se quiser dizer, racional. O PS ganhou ao centro eleições com Mário Soares, António Guterres e José Sócrates. Agora, constatamos intervenientes com preponderância nesta direcção a recusarem qualquer coligação com o centro direita. Cada vez mais a maioria absoluta que o PS deseja está mais distante, para não afirmar uma miragem. Defender coligações à esquerda, como aquela que não teve dúvidas em derrubar um governo do PS, uma esquerda a desejar o fim do euro, só poderá contribuir para o afastamento do eleitorado flutuante do centro que vota e dá vitórias ao PS.

O próximo governo tem pela frente muitas reformas para fazer, difíceis, mas necessárias na sustentabilidade do Estado social. Não daquelas simpáticas ao poder político, como a regionalização, que consta da Agenda da Década, a arrastar inevitavelmente mais despesa pública. Precisamos de reformas com coragem, de forma a racionalizar meios que garantam a sustentabilidade das finanças públicas, sobretudo na Saúde e na Segurança Social. Precisamos de investimento para o crescimento económico, que crie emprego duradouro, que seja reprodutível, e neste temos de privilegiar os bens transaccionáveis. Só um governo competente e com maioria absoluta será capaz de derrubar barreiras, corporações e outras “sombras”. Caso o PS não tenha uma maioria absoluta, só deverá governar em coligação, com quem seja capaz de compreender o que o país precisa e os portugueses desejam.

O PS não pode recusar governar em coligação com o centro-direita, porque o país não pode continuar a ser um país adiado. Governar em coligação não é só um exercício de geometria variável, é mais do que isso; é conhecer os problemas que o país precisa urgentemente de resolver e, sobretudo, conhecer os partidos capazes e sem receio de participarem na solução.

Economista

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