Ministro duvida que Governo grego queira permanecer no euro

Quando se fala da dignidade perdida do país, as farpas vão para o PS atacado como responsável pelo “ir de mão estendida pedir aos nossos parceiros para nos acudirem”.

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Marques Guedes: "A reforma da Segurança Social é uma questão nacional que ser consensualizada pelo menos com o PS" Daniel Rocha

Marques Guedes assume que a questão ideológica é o "essencial do problema" da Grécia. Mas rejeita acusações sobre o excesso de dureza com que o Governo português trata o seu homólogo grego. Entende que a política de baixos salários não é a melhor forma de resolver a competitividade da economia, não fecha portas à liberalização dos despedimentos e diz que a reforma da Segurança Social deverá ser um tema decisivo do debate eleitoral.

Porque é que o Governo foi tão duro com a Grécia?
O Governo não foi minimamente duro com a Grécia, teve a mesma posição que os outros governos.
Independentemente da questão ideológica, o Governo português e os da Irlanda e de Espanha deviam compreender melhor a situação da Grécia.
Esquecer a questão ideológica é esquecer o essencial do problema. O que se passa é que os gregos decidiram escolher um Governo de ideologia marxista, que tem nos seus pressupostos princípios contrários aos que fundaram quer a moeda única quer, em alguma medida, a própria Europa.

Este Governo grego não tem responsabilidade sobre o estado do país, nunca governou.
Como nós também não tínhamos, quando, em 2011, chegámos ao Governo e tivemos que cumprir todo o programa que estava anunciado. Só estamos a exigir dos outros o que exigimos de nós.

Se a Grécia acabar por sair do euro, a situação não será muito pior para Portugal?
Esperemos que não seja esse o desenlace, mas a decisão é dos gregos. Em democracia é assim. Se os portugueses, nas eleições, escolherem um partido que professa a saída do euro ou a saída da Europa, será esse o caminho que Portugal seguirá.

Não foi isso que os gregos votaram, nem professam. Estão, aliás, a negociar o contrário.
[Longo silêncio] O meu silêncio é esclarecedor, porque eu não tenho certezas em relação a isso.

A posição de dureza adoptada pelo Governo foi concertada em Conselho de Ministros?
Sim, mas não há nenhuma posição de dureza. Isso é uma falsidade! A nossa posição foi de apoiar a manutenção da Grécia dentro da zona euro, a extensão do programa grego e a única intervenção da senhora ministra das Finanças no Eurogrupo - isto já foi dito e redito, mas parece que só o que é dito por gregos ou pelos apoiantes do Syriza em Portugal é que passa como verdade - foi no sentido de solicitar que as medidas apresentadas pelo Governo grego apenas à Comissão Europeia fossem também partilhadas previamente com todos os Estados. O que até é um princípio de transparência.

E porque é que só agora Portugal teve essa posição?
Não foi só agora. O que se colocou nessa reunião do Eurogrupo foi que a Grécia solicitou a extensão do programa e a apresentação de medidas que pudessem substituir outras. E com toda a legitimidade, porque o Governo mudou e pensa de maneira diferente. 

Isso é mesmo uma questão ideológica ou Portugal já tinha tido essa posição relativamente a outros países?
A partir do momento em que há uma alteração de circunstâncias, é natural que os países que não fazem parte do chamado directório, e que depois são  chamados a aprovar os meios e a facultar os recursos para o programa grego, queiram ter conhecimento atempadamente. Se acham que isso é dureza, pelo amor de Deus!

O facto de o Governo grego rejeitar interlocutores, que não têm a mesma legitimidade, não é uma questão de dignidade?
Não e já o referi aquando daquelas declarações do presidente da Comissão. A questão da dignidade coloca-se antes dos programas de ajustamento. O problema foi nós termos que ir de mão estendida pedir aos nossos parceiros para nos acudirem. Aí é que nós perdemos uma boa parte da nossa dignidade, foi termos caído nessa situação.

Paulo Portas diz que foi um vexame ter que “co-governar com o sindicato dos credores” e disse que Portugal vivia sob “protectorado”. Dois ministros, duas visões?
A minha visão é exactamente a mesma. O que não se pode é misturar as causas com as consequências. Estes três anos que o Governo teve que suportar foram dificílimos, às vezes até com situações de grande hipocrisia da parte dos técnicos da troika que cá vinham. Mas a nossa dignidade não foi ferida aí, foi ferida antes.

Estamos no final da legislatura, que medidas esperar?
O programa de Governo não está totalmente executado ainda, mas o essencial das medidas que tinham de ser tomadas era a execução do programa de ajustamento e isso foi executado com sucesso assinalável. O trabalho do Governo, como o primeiro-ministro disse na tomada de posse, é para duas legislaturas. 

Então não haverá surpresas?
Mais do que medidas emblemáticas, é preciso consolidar o crescimento da economia e a redução do desemprego, para que fiquem mais sólidas as bases para uma segunda legislatura que seja completamente diferente daquela que nos foi entregue em 2011, com um país à míngua de meios e de recursos, numa situação de pré-bancarrota e de subjugação a um programa dos credores e que trouxe sacrifícios tremendos.

Que medidas para travar o desemprego?
Desde que saiu a troika de Portugal, o Governo aprovou uma reforma do IRS, que pode dinamizar o consumo, provocar algum aquecimento da economia e que se reflecte em termos de emprego. Além da reforma da fiscalidade verde e do aumento do salário mínimo. Há políticas públicas que têm repercussão na consolidação da economia e do crescimento. Medidas que tiveram um olhar franzido por parte da Comissão, que olha para as medidas do Governo com algum cepticismo. Às vezes é quase esquizofrénico. Quando a troika cá estava, impunha medidas às vezes de uma pobreza franciscana.

Como vê as críticas da Comissão de que o Governo foi incapaz de evitar a pobreza?
Esse relatório tem dados de 2013. Toda a gente sabe a dureza de 2012 e 2013 em termos de programa de ajustamento negociado pelo anterior Governo mas imposto pela própria Comissão. Só por masoquismo é que podemos fingir que isso é novo. Felizmente é uma página que já dobrámos. Estamos numa fase completamente diferente. Em 2013 a economia não cresceu. Em 2014 cresceu, em 2015 vai crescer mais.

Um novo relatório vai ...
Quando houver um relatório, com dados de 2014 e 2015, estou profundamente convencido que a situação evoluiu positivamente, como têm evoluído todos os dados recentes que conhecemos. Em 2013 o desemprego estava na casa dos 16%, neste momento é de 13%.

E o desemprego estrutural?
Há uma máxima que diz que uma mentira muitas vezes repetida pode passar a ser aceite como verdade. A grande mentira que se tem colocado em Portugal é que as dificuldades por que os portugueses passaram ou ainda passam têm a ver com a política de austeridade. Não têm. A política de austeridade é a consequência. A causa é o que foi feito antes e nos levou à austeridade. E é essa a mentira que boa parte da oposição, com o PS à cabeça, diz, tentando alijar responsabilidades. As verdadeiras causas são as políticas erradas que levaram ao desemprego estrutural e a crescimentos endémicos da economia durante toda uma década, senão desde meados dos anos 90. Esse problema tem sido atacado pelas reformas do Governo, que têm de continuar a ser prosseguidas para que Portugal seja verdadeiramente competitivo.

Essa competitividade vem por que via? A Comissão propõe baixar salários ou medidas laborais.
Em relação a baixar salários, o Governo já disse que não concorda. É um erro. E a prova disso é que o Governo, assim que se viu livre do programa, que foi negociado pelo Governo anterior e onde estava inscrito que não podia haver mexidas no salário mínimo, aumentou-o. Entendeu que devia haver um aumento do salário mínimo nacional, indexado à melhoria das empresas.

Apesar de os patrões concordarem, o Governo demorou a dar luz verde.
Não. O programa acabou a 17 de Maio e o salário mínimo subiu em Setembro. Nunca houve nenhum constrangimento do programa de ajustamento relativamente à vida interna das empresas. Se as confederações patronais achavam que deviam aumentar, aumentassem.

E as leis laborais?
Isso é completamente diferente. Veja que governos socialistas na Europa como o francês e o italiano fizeram recentemente reformas na legislação laboral que colocam a legislação deles bastante mais à frente do que a portuguesa, por exemplo em termos de liberalização dos despedimentos.

E concorda com isso?
Não estou a dizer que concordo. Isso tem que ver com o juízo que cada país faça a cada momento das suas condições de competitividade. Se o Governo italiano fez a reforma que fez, foi por entender que a legislação laboral estava a ser um entrave à sua competitividade. O Governo neste momento acha que a reforma laboral feita nesta legislatura coloca Portugal num patamar bastante mais elevado nos rankings internacionais de competitividade. Este Governo não fará seguramente, até ao final desta legislatura, nenhuma mexida na legislação laboral.

E num próximo Governo?
Tudo dependerá da situação face ao exterior. É redutor olhar para esta questão apenas numa perspectiva ideológica. Se fosse uma questão ideológica, porque é que governos socialistas na Europa estariam a fazer reformas nesse sentido? É porque há de facto necessidade em termos de competitividade das economias. O mundo hoje já não é o que era há 30 ou 40 anos, o mundo é global, a riqueza das nações é disputada quotidianamente em mercados globais e, para vencermos, temos de ter mais-valias e ser mais competitivos do que outros.

O Eurogrupo manifestou dúvidas de que Portugal consiga cumprir o défice. A ministra apertou as regras de controlo orçamental. Também há dúvidas no Governo?
No Governo há confiança. Essas dúvidas do Eurogrupo não têm nada de novo, são o repetir do que tinha sido dito pela Comissão em Novembro passado. Penso que os dados de Dezembro e de Janeiro em termos de desemprego e económicos demonstram que a trajectória continua a ser positiva, alinhada com a previsão do Governo. Por exemplo, o desemprego em Janeiro já está abaixo do previsto no Orçamento, onde se apontou para 13,4% e na altura foi considerado irrealista pela oposição. Neste momento, estamos em 13,3%. Todas as estimativas que o Governo fez para 2015 foram bastante prudentes e estão absolutamente em linha com os dados e a situação social do país.

A reforma da administração pública está longe de feita, fica para o próximo ciclo?
Nessa matéria, este Governo fez muito mais do que qualquer outro, pelo menos nos últimos 15 a 20 anos. O problema que se coloca tem a ver com aquilo que o Estado continua a sugar da criação de riqueza nacional. Isso vê-se nos nossos impostos. Se eles são altos, é porque temos de pagar uma máquina demasiado pesada. Creio que os portugueses estão esclarecidos de que mais de ¾ dos impostos é para salários, pensões e prestações de natureza social. Portanto, tem de haver aqui uma escolha dos portugueses: ou estão disponíveis a pagar níveis de impostos para suportar esta dimensão do Estado, ou têm de reduzi-la. O Governo tentou mais do que uma vez, mas foi confrontado com chumbos do Tribunal Constitucional (TC), quer em termos da mobilidade quer das pensões.

Essa é uma questão para o debate eleitoral?
A cidadania exige isso. Os cidadãos não devem votar por clubismo, devem votar conhecendo perfeitamente qual o modelo de sociedade que lhes está a ser proposto. Por exemplo, o primeiro-ministro disse que até às eleições não proporá nenhuma reforma na Segurança Social, mas todos sabemos que ela terá de ser reformada, fingir que não tem é defraudar os cidadãos. Este Governo, depois do chumbo do TC, pediu ao PS para nos sentarmos à mesa e encontrarmos uma solução concertada, trabalhada. Qual foi a resposta do PS? Até às eleições não. O PS é que recusa fazer esse debate até às eleições.

Mas o PSD ou a coligação apresentará um modelo?
Seja o PSD sozinho, seja em coligação, deverá ser o mais claro possível relativamente à necessidade de reformar a Segurança Social, sendo certo que, independentemente do resultado das eleições, esta reforma é uma questão nacional que tem que ser sempre consensualizada pelo menos com o PS, porque a sociedade portuguesa tem que se rever nessa reforma. E está claro que esta não é uma questão ideológica, pois até pela evolução demográfica, o modelo que temos não vai resistir.

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