Líder da ANMP dispara contra o Governo pelos ataques ao poder local

Manuel Machado afirma que “não há em Portugal titulares de cargos políticos mais fiscalizados que os eleitos locais”. No final de um ciclo que foi de ajustamento financeiro, António Lobo Xavier e Augusto Mateus deixam conselhos aos autarcas no primeiro dia do congresso.

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João Salgueiro e Augusto Mateus Rui Gaudêncio

O presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP), Manuel Machado, arrasou esta sexta-feira o Governo pelos ataques feitos ao poder local autárquico e avisou que os “municípios portugueses não aceitam ser tratados como entidades que não merecem a autonomia que têm”.

Na abertura dos trabalhos do XXII Congresso da ANMP, em Tróia (Grândola), o socialista Manuel Machado declarou que os municípios “estão empenhados num novo ciclo de políticas autárquicas. É o ciclo em que os efeitos do poder local se assumem como entidades construtoras do futuro”, disse, detendo-se depois no ataque protagonizado pelo Governo de que está a ser alvo a autonomia do poder autárquico.

“Esse ataque é grave porque perturba o funcionamento das câmaras municipais e menoriza a sua acção. É gravíssimo porque coloca em causa direitos humanos, como o direito à água, trocados por um espírito mercantilista inadmissível”, denunciou, afirmando que à boleia da crise económico-financeira, o Governo “assumiu e desenvolveu um protagonismo centralista que conduziu a uma intervenção agressiva por parte do poder central”.

Puxando pela auto-estima dos autarcas, o também presidente da Câmara de Coimbra disse que “os municípios são, efectivamente, o verdeiro Ministério da Solidariedade deste país” e declarou que os autarcas “não têm meios para levar a cabo as funções que desempenham melhor para além de que não têm autonomia para o fazer".

Numa intervenção pouco aplaudida, o líder da ANMP acenou com o exemplo dos municípios no combate ao défice público, mas também na redução do endividamento (em cerca de 30%) e na diminuição do montante de pagamentos em atraso (redução em mais de 70).

No entanto – apontou – “continua uma falta de conhecimento da qualidade da gestão e das contas autárquicas. As autarquias locais são hoje as entidades da administração pública mais fiscalizadas e mais controladas. Não há em Portugal titulares de cargos políticos mais fiscalizados que os eleitos locais.” Mais uma vez o Governo era o destinatário.

CCDR dirigidas por eleitos
Quanto aos novos fundos europeus, o autarca do PS deu conta que “o potencial transformador dos investimentos que estes fundos europeus poderão proporcionar depende muito da saúde, da bondade e da lisura com que irão decorrer as relações entre as autarquias e o poder central, nomeadamente através das comissões de coordenação e desenvolvimento regionais”.

E, neste capítulo, defendeu: "Não vale a pena iludir o essencial: o funcionamento das CCDR melhoraria muito se estas fossem dirigidas por eleitos. Falta, de facto, esse nível no projecto constitucional do Estado português. Falta um órgão executivo eleito – mandatado pelos cidadãos – que ocupe o espaço vazio entre os presidentes de câmara e os ministros”, apontou.

O presidente da Câmara de Cascais e vice-presidente do PSD, Carlos Carreiras, que esta semana disse temer que houvesse uma ruptura no seio da ANMP em pleno congresso, criticou os que “usam os autarcas” para fazer um ataque velado ao poder local”. “Muitos dos que consideram os autarcas políticos menores são os mesmos que desprezam o papel das autarquias” no mundo moderno, afirmou o presidente da Câmara de Cascais.

E porque o congresso decorre no concelho de Grândola, denominada "terra da fraternidade", Carreiras decidiu encerrar a sua intervenção com alguma ousadia, usando uma citação que, para si, é “o verdadeiro hino da cidadania: 'Grândola, vila morena'”.

Da parte de tarde, o congresso contou com as intervenções dos convidados António Filipe, António Lobo Xavier, Augusto Mateus e João Salgueiro. O ex-líder da bancada parlamentar do PCP, António Filipe, disse que “faria todo o sentido, e não representaria nenhuma distorção do sistema constitucional de fiscalização da constitucionalidade e ilegalidade de normas, se fosse permitido que, por exemplo, um décimo das assembleias deliberativas dos municípios pudesse requerer ao Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização sucessiva, a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de normas com fundamento em violação da autonomia do poder local”.

O centrista António Lobo Xavier surpreendeu ao dizer que os ”impostos são detalhes” e, em final do ciclo de ajustamento financeiro, deixou mesmo um conselho aos autarcas: "Abandonem a reivindicação dos detalhes, exijam aos partidos um compromisso sobre um princípios essencial de estabilidade, que só pode ser dado pela ligação ao produto geral e pela ligação à despesa nacional."

Também o ex-ministro da Economia, Augusto Mateus, convidado para falar sobre os novos desafios do poder local no Portugal 2020, deixou uma recomendação aos autarcas: "Exigir que a gestão dos fundos estruturais seja feita com descentralização estratégica, como é recomendado pelas regras europeias.”

Mas sublinhou que, para que isso possa ser exigido, “é preciso que dêem o passo de estar disponíveis para cooperar uns com os outros, para não quererem fazer coisas sem a massa crítica adequada e para não quererem adoptar tudo aquilo que é novo na construção dos sistemas que nos permitem poupar imensos recursos e ser muitíssimo mais eficientes na gestão da coisa pública, na promoção do interesse geral do bem comum". No fundo, falou de "empresas bem geridas, partilhando o valor com os territórios e as populações que as acolhem, e pessoas que sabem que o seu futuro não lhes vai ser oferecido por ninguém. Em democracia [esse futuro] é conquistado pela sua inteligência e pela sua cidadania”.

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