Cimeira bilateral mais perto, diz Luanda

Angola é boa pagadora. O pagamento não é na hora, mas é sempre feito. Aquele país está num processo de “angolanização” da sua economia.

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Apresentada em Setembro de 2013 por Chikoti e Machete, a cimeira luso-angolana foi adiada sine die pouco depois por Angola Daniel Rocha

A cimeira bilateral luso-angola está prestes a deixar de ser uma miragem. O embaixador de Angola em Lisboa, José Marcos Barrica, admite que tal iniciativa está mesmo mais perto.

“Não foi dada uma data, mas a cimeira vai formular a excelência das relações que devem testar as relações entre os dois países”, disse nesta terça-feira o diplomata, citado pelo Jornal de Angola. “Deu-se um passo que era necessário para que a perspectiva da cimeira Portugal-Angola possa ser realizada como programado”, garantiu.

Prevista para Fevereiro do passado ano na capital angolana, a primeira cimeira entre os dois países, concebida para ocorrer a cada dois anos,  foi adiada sine die. O banho de água fria aconteceu em Outubro de 2013, quando o Presidente José Eduardo dos Santos afastou a possibilidade de uma parceria estratégica com Portugal. Foi o ponto mais crítico das relações diplomáticas entre ambos os Estados, na sequência das investigações do Ministério Público português sobre interesses e actividades económicas de algumas personalidades angolanas em Portugal.

“Enquanto uns pretendem criar e se divertem com clivagens, o que nos interessa é que as relações institucionais e empresariais continuem de forma afincada e tenham norte e objectivos”, concluiu o embaixador José Marcos Barrica. Estas declarações foram feitas no rescaldo da visita, a Luanda, do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

De Eduardo dos Santos, Rui Machete ouviu no passado dia 12 que Angola dá por encerrado o ciclo de “mal-entendidos” com Portugal. “O senhor Presidente disse algo por que eu fiquei particularmente grato, acentuou que se encerrava um ciclo em que tinha havido um ou outro mal-entendido e que agora as coisas estavam naturalmente límpidas e caminhando muito bem”, relatou, em Luanda, o chefe da diplomacia portuguesa.

O adágio o “tempo tudo cura” parece aplicar-se aqui em pleno. As investigações das autoridades judiciais portuguesas já não são alvo dos editoriais do Jornal de Angola e Machete saiu de Luanda com resultados palpáveis: uma reunião anual de ambas as diplomacias, para monitorizar as relações; a criação de um observatório de investimento; e o fórum empresarial luso-angolano, a decorrer já, nos primeiros quatro meses do corrente ano, na capital de Angola.

Em nenhum momento dos múltiplos encontros mantidos por Rui Machete – com o Presidente angolano, com o seu homólogo Georges Chikoti, no âmbito de um relacionamento cada vez mais fluído entre os chefes das duas diplomacias, e com os ministros Abraão Gourgel e Adão do Nascimento, respectivamente responsáveis pelas pastas da Economia e do Ensino Superior -, foi colocada a possibilidade de dilatar no tempo os pagamentos dos contratos às empresas portuguesas ou de efectuá-los através de títulos da dívida pública angolana. No entanto, há um sentimento generalizado de preocupação na comunidade empresarial lusa em Angola.

Também em Brasília, na reunião de 1 de Janeiro entre o vice-primeiro-ministro Paulo Portas e o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, aquando da tomada de posse da nova Presidente do Brasil, esta questão não esteve em cima da mesa. “É muito bom sinal, ao nível do relacionamento entre Portugal e Angola, começar com uma reunião a este nível”, comentou, então, Portas.

Angola, que foi eleita apenas com dois votos contra como membro não-permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aposta cada vez mais nos palcos internacionais, o que leva a um reforço da sua diplomacia na acção externa. Normalizou a sua relação com a África do Sul, está particularmente empenhada na situação que se vive na zona dos Grandes Lagos – Etiópia, Quénia, Tanzânia, Uganda, Ruanda, Burundi, República Democrática do Congo e Moçambique – e tem cada vez mais atenção à CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), liderada pela Nigéria, sua rival regional.

Contudo, os responsáveis angolanos não escondem as dificuldades que a queda do preço do barril do petróleo provocou no orçamento para 2015. “Há projectos que serão adiados e vão ser reforçados o controlo das despesas do Estado e a disciplina e parcimónia na gestão orçamental e financeira, para que se mantenha a estabilidade”, anunciou Eduardo dos Santos na sua mensagem de Ano Novo. Recorde-se que, em 2013, o crude foi responsável por 76% das receitas fiscais do país. E que Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África Subsariana, depois da Nigéria, e que ainda tem uma economia dependente da exportação petrolífera, que deverá este ano garantir mais de 1,8 mil milhões de barris diários.

No entanto, em Portugal não há indicações precisas sobre dificuldades de pagamentos. "Os angolanos sempre se atrasaram, mas sempre pagam. O pagamento não é na hora, mas é sempre feito”, é a reflexão ouvida a peritos com muita experiência na matéria. A circunstância de não ter havido novas encomendas de infra-estruturas a empresas nacionais, após os “mal-entendidos” das  investigações judiciais, não permite estabelecer uma relação de causa e efeito entre esses factos.

É, antes, um sintoma da “angolização” da economia da República de Angola, que não afecta apenas as empresas nacionais, mas também outras europeias. Em contraponto, a experiência do desembarque de empreitadas chinesas com "tudo incluído" – pacote de projecto, trabalhadores, materiais e maquinaria – não tem sido compensadora. Ao choque cultural, que dificulta a comunicação, juntam-se as mais preocupantes deficiências na construção.

A diversificação da economia angolana, para contrariar a excessiva dependência das receitas do petróleo, é uma orientação do Governo de Luanda, o que pode abrir novos horizontes às empresas portuguesas, para além das que disputam o mercado das obras públicas, como as dos sectores da agricultura e da pesca. Para já, mantêm-se os actuais projectos bilaterais, orientados para a educação, saúde e cooperação técnico-militar.

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