Caso do Conselho de Ministros fez saltar a rolha aos candidatos

Marcação de Conselho de Ministros para dia 17, a meio da campanha, indignou PS, CDU e BE. À coligação PSD/CDS, que tal como o PS visitou caves de espumante, o que irritou foi a posição assumida pela Comissão Nacional de Eleições.

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Miguel Nogueira
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A campanha socialista começou em temperatura controlada. Nas caves do espumante Raposeira, escavadas no interior da serra, o calor não chegava. Mas bastou a Francisco Assis sair das catacumbas da bebida borbulhante para o embate entrar em efervescência. Assim que pousou o copo de Raposeira começaram os ataques à direita. E se em Lamego, se limitou a acusar a coligação PSD/CDS de “fazer do Governo um instrumento de campanha”, à medida que o primeiro dia de campanha eleitoral das europeias foi correndo, os ataques foram aquecendo à conta do Conselho de Ministros Extraordinário marcado na quinta-feira pelo Governo para 17 de Maio.

A questão já tinha sido levantada de manhã, pelos candidatos da CDU e do Bloco de Esquerda, depois de Marcelo Rebelo de Sousa, no domingo, a ela se ter referido na TVI, a propósito do dever de imparcialidade das entidades públicas durante as campanhas eleitorais. E mereceu um comentário do porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE) que também indignou, pelo seu lado, os candidatos da coligação PSD/CDS Aliança Portugal que, tal como os socialistas, visitaram ontem caves de espumante.

No caso de Assis, a indignação foi ganhando gás. À hora do almoço, a questão da realização de um Conselho de Ministros, para apresentação da “estratégia de médio prazo”, já merecia protesto duro. “Este acto é um desrespeito profundo, é um acto obsceno que tem de ser profundamente criticado, porque a decência tem de prevalecer na disputa política”, afirmava o cabeça de lista do PS perante as dezenas de comensais.

A dureza nas palavras continuou. Em Nelas, no auditório municipal, Assis falou do Governo como o expoente máximo da “direita radical, extremista e retrógrada” que só a “esquerda democrática” podia enfrentar. As referências à iniciativa do Governo foram-se repetindo ao longo do dia. José Junqueiro, deputado eleito pelo distrito de Viseu também incluído nas listas a Bruxelas, classificou o tema do dia como mais uma gravação que a maioria vinha fazendo daquilo a que chamou a “novela Casa dos Enganos”. Que o PSD e CDS vinham produzindo nos últimos dias, com aumentos de impostos e cortes definitivos.

Entre as hostes da Aliança Portugal, o caso do Conselho de Ministros do dia 17 também mereceu críticas duras, mas dirigidas à CNE. É que o porta-voz da comissão, João Almeida, admitira, de manhã, que a iniciativa do Governo suscitava dúvidas. João Almeida disse que, “em abstracto”, a marcação do Conselho de Ministros em causa não era “muito leal”, mas ressalvou que a CNE não tinha posição definida à partida e só agiria em função das queixas recebidas.

Nuno Melo, eurodeputado do CDS e número quatro na lista ao Parlamento Europeu da Aliança Portugal, não gostou destas declarações. “Se a CNE tem dúvidas sobre o que será anunciado a 17 de Maio e não actua sem queixas, então por que é que em pleno período eleitoral se pronuncia, sendo que essa declaração produz efeitos na apreciação política?”, afirmou aos jornalistas, à margem de um almoço com apoiantes na Guarda. Recordado que a dúvida havia sido lançada por Marcelo Rebelo de Sousa, Nuno Melo fez questão de distinguir os planos de intervenção das entidades em causa. “Marcelo Rebelo de Sousa é um comentador. A CNE é uma instituição, quando se pronuncia tem consequências óbvias”. E rematou: “Em caso de dúvida não se lançam insinuações como fez a CNE”.

Já ao início da manhã o cabeça de lista, Paulo Rangel, se pronunciou também sobre a posição assumida pela CNE, em tom crítico. “O Governo não está paralisado durante a campanha, aliás, nesse dia o PS vai apresentar um novo programa de governo, talvez a Comissão Nacional de Eleições devesse estar preocupada com isso, que um partido, em eleições que são europeias, esteja a apresentar um programa de governo”, afirmou Rangel aos jornalistas.

Queixas apresentadas
Uma coisa é certa, a CNE terá mesmo queixas para apreciar. A CDU enviou-a ontem de manhã e o BE prometeu fazer outro tanto“É absolutamente claro que a convocação de uma reunião que só pode ser entendida como de carácter extraordinário (sejam quais forem as justificações que o Governo venha invocar) e a agenda para ela prevista (estratégia de médio prazo) só pode ser explicada com a intenção de se assumir como parte de uma intervenção ilegítima e ilegal num período crucial do debate eleitoral”, criticou a CDU.

“Este Conselho de Ministros claramente exorbita das funções de mera actividade regular que a lei atribui a um Governo nas circunstâncias que atravessamos”, disse o cabeça de lista, João Ferreira, em Coimbra. Está violado o princípio da imparcialidade a que o executivo está vinculado por lei, referiu a CDU em comunicado.

À tarde, em Salvaterra de Magos, a cabeça de lista do BE, Marisa Matias confirmou que o partido também apresentaria queixa ainda ontem. Comentou que “o fracasso das políticas do Governo” estão a levar a direita a usar “as instituições do Estado e os dinheiros públicos para fazer a única coisa que sabe, que é propaganda”.
“Há quatro dias exactamente o Governo realizou um Conselho de Ministros extraordinário - que aliás se transformou num comício - para dizer que não queria interferir com as eleições e portanto para não fazer esse anúncio no dia 17 de Maio. Ao fazê-lo agora percebe-se muito bem a nervoseira em que está”, criticou.

Outro 25 de Abril
Mas nem só do caso do Conselho de Ministros viveram os primeiros dias de campanha de PS e Aliança Portugal. A passagem por Viseu dos socialistas serviu ainda para os candidatos do PS voltarem a pedir aos eleitores uma “clara vitória” a 25 de Maio, que signifique o fim do Governo. Em Nelas, câmara recém-conquistada pelo PS em Setembro, José Junqueiro chegou a comparar comparar o próximo dia 25 ao 25 de Abril de 1974: “Aqueles que não puderam celebrar o 25 de Abril, têm aqui a oportunidade de celebrar o dia da libertação da maioria na Europa e em Portugal”, atirou, entusiasmado, à assistência.

Para isso, no entanto, a campanha do principal partido da oposição tinha de se desenferrujar. O contacto de Assis com quem se cruzava não foi brilhante. Em São Pedro do Sul, ao cumprimentar a proprietária da banca “Sabores da Serra”, não lhe saiu nada melhor do que um “Tem aqui uma bela barraca”. Também ninguém percebeu aonde Junqueiro pretendia chegar quando, num dos seus discursos, acusou Rangel de “trincar as calças ao PS”. A desconcentração andava à solta na campanha, como se viu quando João Azevedo, autarca de Mangualde, se lembrou de cumprimentar quem comparecera em Nelas com um “caras camaradas e camarados”.

Entre a Aliança Portugal, também houve espaço para o imprevisto. A certa altura, sete quilos de pressão acumulados numa garrafa Murganheira produzem um jorro que molha a comitiva. “Se não tiveres nojo, podes beber”, diz Nuno Melo, depois de engolir uns goles, passando a garrafa a Paulo Rangel. O cabeça de lista replica: “Isto é uma coligação”. E bebe pelo gargalo do Murganheira, já “champanhizado”. O momento da visita às caves da Murganheira, em Tarouca, Lamego, foi o momento escolhido pelos candidatos para lembrarem o que têm de celebrar: a saída da troika a 17 e as eleições de 25 de Maio.

Perante as câmaras de televisão, Nuno Melo escolheu uma garrafa de “czar triplamente medalhada em homenagem aos portugueses, principais obreiros do sucesso” da saída do programa da troika. Por um euro, para a Cruz Vermelha, Paulo Rangel trouxe outra garrafa para festejar a “vitória” de dia 25.

Sempre a cantar o hino
O dia arrancou na Guarda, onde a Aliança Portugal distribuiu canetas e panfletos em duas ruas da cidade. Ao almoço, depois dos discursos, todos de pé para ouvir o hino nacional. É assim – e será – em todas as iniciativas de campanha com discursos dos candidatos, diz a organização da Aliança Portugal. com Lusa

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