As polémicas de Cavaco

Às vezes atira-se ao lado para desviar atenções.

Não são de agora as polémicas geradas à volta do Prefácio dos Roteiros, publicação anualmente editada pela Presidência da República. Vamos no Roteiros IX e a poucos meses do lançamento de candidaturas a Belém, Cavaco Silva não podia escolher tema tão susceptível de controvérsia: a definição do perfil mais adequado a um Chefe de Estado do século XXI.

Mas vamos por partes. Desde que chegou ao Palácio de Belém, uma das preocupações do actual Presidente foi tentar deixar a sua marca no que respeita à forma como dialogava com o país. Para isso, lançou os Roteiros temáticos no terreno – uma espécie de presidências abertas que aproveita para contactos com populações e instituições e protagonistas da sociedade civil – e os Roteiros em livro, a visita guiada às suas intervenções mais relevantes do ano anterior. Como guião, faz sempre um prefácio onde acaba por fixar doutrina sobre a génese da sua acção ou onde elabora sobre o seu pensamento ou tomadas de posição. A primeira polémica começou logo em 2009, com o prefácio do Roteiros III. Já em plena crise, o texto presidencial deixava antever a sua discordância sobre a forma como o Governo estava a lidar com a crise, mas era a partir do primeiro subtítulo, intitulado “O Presidente da República e as Regiões Autónomas”, que se tornava perfeitamente claro que a lua-de-mel com o Executivo Sócrates terminara. Cavaco entendia que o papel presidencial saía diminuído no novo Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e pensou que o então primeiro-ministro ficaria do seu lado no braço-de-ferro que sobre o assunto manteve com Carlos César. Isso não aconteceu e o Presidente decidiu fazer uma declaração dramática ao país, que os portugueses não entenderam. As polémicas prosseguiram no Roteiros V, em 2011, onde elucubrava sobre o valor do silêncio presidencial e no Roteiros VI, em 2012, no qual acusava José Sócrates (que entretanto já estava em Paris a estudar Filosofia depois da derrota nas legislativas do ano anterior) de “falta de lealdade institucional”. A um ano da reforma presidencial Cavaco publica agora um texto controverso onde reflecte longamente sobre o papel do PR. Já se diz que a intenção é sinalizar um sucessor – para uns, António Guterres; para outros, o próprio Durão Barroso. Mas não deixa de ser curioso verificar que o Chefe de Estado cujo perfil mais dúvidas suscitou justamente pelo seu “excessivo” pendor executivo, venha agora como que reduzir a função presidencial às áreas da política externa e da Defesa. Acontece que nem a política externa foi alguma vez o forte de Cavaco, nem a sua intervenção pecou por excesso. Sobretudo para construir soluções mais justas e equitativas nestes tempos excepcionais. Pelo contrário, o actual PR sai entre críticas de colagem à actual maioria e com sinais de rejeição da parte de largas camadas da população. Será isto que ele quer fazer esquecer?

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