Lasse vive nos comboios da Alemanha desde os 16 anos — e com o apoio dos pais

O jovem alemão diz que gasta 10 mil euros por ano, grande parte para pagar o cartão de viagens ilimitadas. Toma banho nos balneários de piscinas públicas e lava a roupa nas estações de comboio.

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Lasse vive nos comboios alemães desde o Verão de 2022 Lasse Stolley/Instagram
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Lasse Stolley, de 17 anos, decidiu sair de casa dos pais aos 16 para começar uma aventura. Nessa altura, tinha terminado o secundário, ainda não tinha trabalho como técnico de informática e, inspirado por um documentário que viu no YouTube, decidiu apostar num estilo de vida diferente.

A ideia, explicou aos pais, era simples: planeava viver legalmente nos comboios da empresa ferroviária alemã Deutsche Bahn, arranjar emprego e, ao mesmo tempo, conhecer o país.

“Depois de terminar o secundário no Verão de 2022, decidi viver em comboios. De manhã, posso decidir se quero ir para os Alpes ou então mergulhar no mar Báltico", explicou em entrevista ao site alemão Deutsche Welle (DW).

No início, o discurso não convenceu os pais, mas depois de alguma insistência do filho ajudaram-no a fazer uma mochila com o essencial. Um ano e meio depois, Lasse encontrou emprego como programador de software numa startup sediada na cidade de Colónia, mas trabalha à distância. Em relação à vida nos comboios, garante que não precisa de muito.

Na mochila tem um cobertor, três camisolas, dois pares de calças, uma almofada para o pescoço, alguns produtos de higiene e, claro, um computador portátil e auscultadores para trabalhar concentrado.

Durante o dia, as mesas dos comboios são a secretária de trabalho e, à noite, os bancos funcionam como cama improvisada. O barulho das rodas e dos passageiros a entrar nas carruagens todas as manhãs fazem as vezes do despertador.

Ao DW, Lasse conta ainda que para tomar banho utiliza os balneários das piscinas públicas. Nos dias em que tem de lavar e estender roupa, passa a noite nas estações de comboios, e na hora das refeições escolhe sempre os restaurantes destes espaços.

O programador, que se auto-intitula “nómada digital”, acrescenta ainda que a única desvantagem de viver em comboios é a falta de privacidade, mas a liberdade e flexibilidade da vida sobre carris está, por enquanto, a superar qualquer incómodo.

Mudar para 1.ª classe

Por ano, Lasse gasta dez mil euros, garante, sendo que mais de metade (5888 euros) se destina a pagar o Bahncard 100, um cartão anual que permite viajar gratuitamente e sem limites na maior parte da rede ferroviária alemã por um preço fixo. Desde Agosto de 2023 que fez o upgrade para a 1.ª classe.

"A actualização mudou muito a minha vida", garante, acrescentando que o "principal motivo se prende com a elevada utilização dos comboios, especialmente nos intercidades nocturnos de alta velocidade". "Não só tornou as noites mais tranquilas do que antes, mas também me dá mais espaço para dormir. Afinal, é uma boa ideia dormir em dois assentos de uma mesa para quatro pessoas."

Mas há pontos menos positivos nesta mudança, escreve, numa publicação no blog que assina: "Há uma grande diferença nos passageiros. Na primeira classe há significativamente mais viajantes de negócios e menos famílias e jovens. Como muitos viajantes de primeira classe querem desfrutar de uma viagem tranquila e não são muito sociáveis, sinto falta das conversas interessantes com outros viajantes."

Até agora, o jovem estima ter viajado cerca de 500 mil quilómetros, uma média de mais de mil quilómetros por dia. No blog Life on the Train (Vida no Comboio, em tradução livre), escreve sobre os locais por onde passou, como Berlim, a cidade que mais gosta de revisitar, Munique e outros países, assim como as pessoas que conheceu.

Em 2023 fez três viagens de InterRail, incluindo uma entre Berlim e Estocolmo, na Suécia, que, escreveu, durou mais de 19 horas. A segunda teve como destino Narvik, a estação mais a norte da Europa que atravessa o círculo polar árctico. O ano terminou na cidade sueca de Kiruna, na Lapónia, que foi construída sobre a maior mina de ferro do mundo.

Um dos objectivos futuros, confessou Lasse ao site Ladbible, é ser contratado pela Deutsche Bahn para dar feedback sobre as condições e serviços dos comboios. Para já, foi convidado a dar uma palestra sobre o que chama "estilo de vida fora do comum" a alguns dos funcionários da empresa.

Os comboios da empresa ferroviária pública são conhecidos na Alemanha pelos sucessivos atrasos, cancelamentos e greves de trabalhadores. O próprio relatório da DB sobre o estado da rede em 2023 descreve o sistema ferroviário como "velho" e "propenso a falhas".

Esta segunda-feira, 22 de Abril, a empresa anunciou que vai remodelar os comboios de alta velocidade, os chamados Intercity Express (ICE) e dar mais privacidade aos passageiros. Carregando num botão, o vidro transparente fica fosco. Segundo a Euronews, cada compartimento terá dois assentos frente a frente e estará preparado para “conversas privadas e confidenciais num ambiente seguro”, revelou um porta-voz da empresa.

O tablóide alemão Bild fez uma votação e a maioria dos leitores decidiram chamar aos novos espaços privados "knutsch-abteil", algo como "cabinas para beijos".

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