IP Telecom interessa a privados mas concessão ainda é só uma ideia

A operadora de telecomunicações é a única nova empresa pública que o Governo quer concessionar em 2016, mas o objectivo choca com o acordo assinado entre PS, PCP e Bloco.

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Em 2015, a operadora, que conta com 15 anos de existência, gerou lucros de 3,3 milhões de euros, o que representou uma subida de 27% DR
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No Network Operation Center são vigiados ao milímetro os movimentos dos comboios ou a estabilidade da infra-estrutura DR
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O data center de Lisboa é um dos três da IP Telecom, já que existe também um no Porto e outro em Viseu DR
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O encaixe previsto com a concessão é de 90 milhões, mas não há expectativa real de o arrecadar DR

Não fosse a repetida e sucessivamente fracassada tentativa de concessionar a Silopor, a IP Telecom, a operadora de telecomunicações do Estado, seria o único activo que o Governo pretende entregar a privados este ano. Num Orçamento do Estado quase omisso neste tipo de operações, como já não acontecia há pelo menos 15 anos, a empresa da Infra-estruturas de Portugal é o único objectivo no horizonte. E, mesmo assim, são poucas as certezas de que a intenção, cujo encaixe está avaliado em 90 milhões de euros, passe à prática. Apesar de haver interesse no mercado, o executivo ainda nem iniciou os estudos para avançar com esta concessão, embora o seu potencial, em termos de encaixe financeiro, não seja de negligenciar.

Longe vão os tempos em que a IP Telecom (que dava pelo nome de Refer Telecom até à fusão da gestora da infra-estrutura ferroviária com a Estradas de Portugal) não ia além dos carris nos comboios. Hoje, a empresa está muito mais voltada para fora e decidida a apostar em novos negócios que lhe permitam chegar ao próximo ano com as receitas a dependerem menos de 20% do grupo a que pertence. Quem percorre os seus corredores sente-se mais no interior de um escritório, com mais papel do que máquinas. Mas é atrás de algumas portas, de acesso restrito, que a operadora esconde a sua génese.

Para lá de uma dessas portas, está o data center de Lisboa (um dos três da IP Telecom, já que existe também um no Porto e outro em Viseu). São máquinas e mais máquinas, botões que se ligam e apagam, uma imensidão de fios de todas as cores. Ali repousam milhões de dados de clientes, com um grau de importância que não se vê a olho nu. Mais à frente, no Network Operation Center são vigiados ao milímetro os movimentos dos comboios ou a estabilidade da infra-estrutura. O trabalho aqui é de 24 horas sobre 24 horas.

Em 2015, a operadora, que conta com 15 anos de existência, gerou lucros de 3,3 milhões de euros, o que representou uma subida de 27% face ao período homólogo. As receitas caíram 15%, para 21,8 milhões, apenas porque se deu uma inversão total de estratégia da IP Telecom, já que fez agora um ano, a 1 de Junho, que os serviços de telecomunicações ferroviárias e de sistemas de informação foram transferidos para a casa-mãe, juntando-se a eles a mesma área de negócio mas na vertente rodoviária. Uma decisão tomada dois anos depois de a Refer ter feito precisamente o movimento contrário para ter uma subsidiária que se especializasse nesta actividade.

O dia 1 de Junho foi, aliás, a data oficial do nascimento da IP Telecom, que assim passou a ser um verdadeiro operador de comunicações e sistemas de informação para empresas e organismos públicos. Com estas profundas mudanças, o número de trabalhadores também diminuiu (de 169 para 81 pessoas, com uma grande parte a ser integrada directamente na Infra-estruturas de Portugal). E começou uma nova era, que não teria sido possível sem toda a experiência do passado. “A ferrovia sempre deu garantias de segurança muito acima de outras alternativas, que estão mais sujeitas a cortes ou a acidentes naturais. Agora continuamos a servir o grupo, mas já não temos a preocupação de prestar um serviço contínuo”, explicou ao PÚBLICO Rui Ribeiro, administrador delegado da operadora.

Das áreas de negócio a que se dedica, a empresa acredita que o maior potencial está nas tecnologias de informação e nos serviços de cloud, que o gestor, antigo director comercial da Estradas de Portugal, acredita que será possível fazer crescer “a dois dígitos, duplicando a actividade a breve prazo”. A ideia, diz Rui Ribeiro, “não é chegar a todo o lado”. “Queremos crescer mais rápido, mas sustentadamente”. Muitos dos seus grandes clientes vêm do Estado, com o administrador delegado a reconhecer que “há uma mais-valia clara pela facilidade em chegar a este mercado”. Mas a IP Telecom também tem conseguido cativar e reter (com uma taxa de 98%) clientes importantes no circuito empresarial, de que são exemplo a IBM, a Nos e a Vodafone ou a Presidência da República.

Neste campo, a empresa tem procurado crescer através de parcerias. “Somos muito bons nas infra-estruturas, mas hoje em dia para os privados isso não chega. Precisamos de oferecer plataformas e aplicações para acrescentar valor ao negócio”, explica o gestor. Desde o mês de Março, a IP Telecom iniciou um périplo pelo país precisamente a apresentar as soluções para a administração local que montou em conjunto com empresas portuguesas, como a AIRC ou a Globinnova, mas também parceiros internacionais, de que são exemplo a chinesa ZTE ou a francesa Easyvista. 

A operar num sector altamente competitivo, onde “se não fizermos nada a concorrência esmaga-nos”, como descreve Rui Ribeiro, a operadora não está disposta a perder a corrida. Uma das áreas em que está muito focada é a das tecnologias hiperconvergentes, que oferecem de forma integrada armazenamento, rede e computação. Mas o gestor sabe que há desafios importantes pela frente: “Vamos manter o mesmo número de pessoas e triplicar a capacidade de oferta. É preciso fazer mais com menos”.

Mas há vertentes, neste negócio como noutros, que vão além do que se faz dentro de quatro portas e as apresentações aos autarcas este ano são apenas um exemplo disso. O antigo director comercial da Estradas de Portugal explica que, com o horizonte de assegurar que 2016 não será de perda tão acentuada de receitas como no ano passado, a empresa conta hoje muito com os directores que a casa-mãe tem espalhados pelo país como um parceiro nobre na venda dos seus serviços. E há, ainda, outro ponto que considera ser uma vantagem: ser pequeno não é mau, antes pelo contrário. “Somos mais ágeis na relação com os clientes e estes sabem com quem estão a lidar. Há uma relação de proximidade enorme. Os grandes operadores têm uma grande capacidade comercial, mas nós temos outras qualidades para oferecer”, garante.

O crescimento da empresa não tem passado despercebido no mercado e há privados atentos à possibilidade de negócio. Uma dessas empresas é a DSTelecom, como adiantou ao PÚBLICO o presidente da operadora de rede grossista (que presta serviço a outros operadores), Xavier Martin. A DSTelecom vê-se como “uma candidata natural” à concessão da IP Telecom, reconheceu o gestor. “Já expressámos o nosso interesse [nessa operação] a vários níveis e de várias formas”, revelou Xavier Martin. 

O presidente da unidade de telecomunicações do grupo minhoto DST (que agora é utilizadora das infra-estruturas da IP Telecom, como os canais técnicos rodoviários e os postes por onde passa a sua própria rede de fibra óptica) “tem expectativa que alguma coisa aconteça este ano”, visto que há uma “referência explícita” a uma concessão no OE. Para a DSTelecom faria sentido, por exemplo, “ser o gestor das plataformas” da IP Telecom e implementar nestes activos “o conceito de operador neutro” que já aplica nas suas próprias redes, “prestando serviço aos operadores de retalho [como a NOS e a Vodafone] de uma forma equidistante”.

Mas, apesar do interesse que alguns privados mostram ter numa potencial concessão da IP Telecom, a preparação deste dossier ainda nem começou. Do lado do Governo, fonte oficial do Ministério do Planeamento e das Infra-estruturas referiu ao PÚBLICO que “ainda não há decisões tomadas sobre esta matéria”. A tutela aguarda que a Infra-estruturas de Portugal, liderada por António Ramalho, apresente uma proposta para o futuro da sua operadora de telecomunicações, o que ainda não aconteceu.

É que o objectivo plasmado no Orçamento do Estado choca de frente com o acordo assinado pelo PS, PCP e Bloco de Esquerda, já que um dos seus pontos proíbe exactamente qualquer “outra concessão ou privatização” de empresas públicas. A solução para este dossier parece, por isso, difícil de encontrar. E, também por isso, as receitas de 90 milhões que o executivo prevê com a IP Telecom este ano estão apenas inscritas no relatório do orçamento, mas não encontram paralelo nos mapas que o acompanham. Ou seja, na realidade este encaixe não está a ser tido em conta para 2016.Com Ana Brito

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